DÚVIDAS

O uso da repetição de sinais de pontuação

É comum nas histórias em quadrinhos vermos o uso da repetição de sinais de pontuação como forma de realçar e dar força dramática aos textos. Por exemplo, vários pontos de exclamação ou pontos de interrogação indicando espanto, surpresa etc. Às vezes esses dois sinais são usados juntos: «Como??!» Geralmente são em número de três. No momento, não lembro de ter visto esse recurso usado na literatura mais "tradicional". Por isso, pergunto se a gramática trata disso, e particularmente se há regras quanto ao número de repetições dos sinais.

Resposta

A Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Sá da Costa, 2002, pp. 652-654), de Celso Cunha e Lindley Cintra, trata das situações em que se verificam mais do que um sinal de pontuação, que são: 

— quando surgem o ponto de interrogação e as reticências, o que marca uma situação em que «a pergunta envolve dúvida», como nos seguintes exemplos:

«— Quem está aí?...» (Branquinho da Fonseca, B, 86)
«— Então?... que foi isso?... a comadre?...» (Artur Azevedo, CFM, 86) 

 

— quando ocorrem combinados o ponto de interrogação e o ponto de exclamação, para evidenciar  as «perguntas que denotam surpresa, ou  aquelas que não têm endereço nem resposta», como se pode verificar nas frases seguintes:

«— Ah, é a senhora?! Pois entre, a casa é sua…» (Aníbal Machado, HR, 86)
«— Quem é que não conhece Coimbra?!!! (Branquinho da Fonseca, B, 18) 

      
— quando a entoação é predominantemente interrogativa, o ponto de interrogação antecede o ponto de exclamação; quando é mais sensível o tom exclamativo, o de exclamação precede o de interrogação, como no excerto: 

«Ah! Minha Nossa Senhora, para que Felícia veio falar dessas histórias agora de noite!?» (Coelho Netto, OS, I, 926) 

 

— quando a combinação do ponto de interrogação e de exclamação vem seguida ou antecedida de reticências, o que lhe acrescenta  uma nota de incerteza:

«— Estás a ver se disfarças?!...» (Alves Redol, F, 223)
«— Coitada!... quem diria… quem imaginaria que acabaria assim!?...» (António Assis Júnior, SM, 52) 

 

— quando se repete o ponto de exclamação, «para marcar um reforço especial na duração, na intensidade e na altura da voz»:

« — Varo-os como a cães!... Canalhas!!!... Hei-de lhes acabar com a manha de andarem atrás de mim!... Não sou menino de mama! Carneirada!!!...»  (Branquinho da Fonseca, B, 86)
«Ah! Pérfido! Se os teus não lhe respondessem mais, para sempre!!!!!!! Meus beijos emurchecerão! Triste! Triste da abandonada!... (Mário de Andrade, OI, 162)

 

Tratando-se de sinais de melodia ou de entoação, que procuram reproduzir o tom e a intenção do enunciado, a combinação de dois ou de mais sinais deixa transparecer bem o volume da voz e o sentir do sujeito que enuncia.

Relativamente ao número de repetições do ponto de exclamação, apesar de aparecer com mais frequência repetido três vezes, a realidade é que isso não é norma, como se pode verificar pelo último exemplo citado. Tudo depende da duração, da intensidade ou da altura da voz. Quanto mais alta, mais intensa e mais longa, maior será o número de exclamações.

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