A primeira vez que ouvi «Bafana Bafana», o nome da Seleção Sul-Africana de Futebol, não me foi difícil compreender o seu significado, pois qualquer pessoa que tenha nascido e/ou vivido na capital moçambicana, ou nas regiões limítrofes, sabe que mufana significa «rapaz, «menino» nas línguas ronga e changana – línguas bantas faladas no sul de Moçambique, nas províncias de Maputo e Gaza.
Como também frequentei um curso de changana, em 1974/75, na Faculdade de Letras da então Lourenço Marques, aprendi uns rudimentos da gramática desta língua banta, do ramo tsonga1. Soube, deste modo, que o plural das línguas bantas se faz por meio de prefixos; e que a classe de palavras iniciadas pelo prefixo mu- muda, geralmente, este prefixo para ba-, no ronga, e para va-, no changana, a fim de se formar o plural: mufana (rapaz) – bafana / vafana (rapazes)
Também na língua zulu, da família banta e uma das onze línguas oficiais da África do Sul2, «bafana, bafana» significa «rapazes, rapazes»3 Como disse, a equipa de futebol sul-africana é conhecida por Bafana Bafana – que significa, portanto, «os rapazes, os rapazes» em isizulu (o nome que se dá à língua em zulu). Este nome vem do grito dos fãs quando da vitória da equipe na Taça das Nações Africanas em 1996 (que também se realizou na África do Sul). Bafana figura também no título de um filme, Goodbye Bafana, baseado no livro homónimo de James Gregory (1941-2003), guarda de prisão que conheceu Nelson Mandela (1918-2013) no estabelecimento prisional de Robben Island.
1 A língua tsonga, em Moçambique, tem três variantes, umas vezes consideradas línguas e outras dialetos: o ronga (falado principalmente na província de Maputo), o changana, na província de Gaza; e o xítsua, no norte da província de Inhambane.
2 Língua zulu (em zulu, isiZulu).
3 Segundo o Dictionary of South African English: «Usually in the forms mfana or umfana (plural abafana, bafana). Among Zulu-speaking people: a young man who has gone through initiation but is not yet married. [From] Zulu umfana (pl. abafana, and vocative forms, sing. mfana, pl. bafana) boy, designating a male child from babyhood to young manhood.» [tradução livre: «Normalmente nas formas mfana ou umfana (plural abafan, bafana). Entre as pessoas que falam zulu: um jovem que já passou pelo rito de iniciação mas que ainda não casou. Do zulu umfana (pl. abafana e formas de vocativo, singular mfana, plural bafana) rapaz, como designação de uma criança do sexo masculino desde o berço até à idade de jovem adulto»].
N. E. (15/05/2020) – Recorde-se que a tendência de certas variedades do português em Angola e Moçambique, para marcar o plural apenas uma vez no começo de sintagmas nominais – «nas escola», «essas amostra» (cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 176) – tem sido atribuída a interferências devidas ao contacto com as línguas bantas. É um aspeto que, de tão repetido, exige certamente mais discussão; de qualquer modo, fica aqui recordado (cf. João Melo, "A influência africana na língua portuguesa"; e Fernanda Fernandes, "A influência de línguas africanas no português falado no Brasil").
Apontamento de João Nogueira da Costa, que o publicou na sua página de Facebook em 3 de janeiro de 2019.