A linguagem é catártica. Estamos zangados, o dia correu mal, o carro da frente está a empatar o trânsito, aquela pessoa enerva-me… Nada como a palavra certa no momento certo! A linguagem liberta as tensões acumuladas, proporciona alívio físico e mental.
Este efeito pode ser conseguido através de inúmeros processos, mas há um que é infalível: o disfemismo! O disfemismo funciona pela negativa. Não atenua nem suaviza como o eufemismo, antes carrega no desagradável, no depreciativo, lança fel, amargor e até ódio. É por essa razão que os disfemismos são frequentemente colocados ao serviço do insulto. A ofensa, para produzir efeito, alimenta-se de conotações negativas.
Através de processos nem sempre lineares, o disfemismo usa recursos linguísticos cujas potencialidades explora com requintes de malvadez. A metáfora é frequentemente mobilizada porque permite associar uma realidade, da qual se extrai uma conotação negativa, ao injuriado. Isto faz-se, por exemplo, com objetos, imagine-se! Através destes pode criticar-se a ingenuidade («É um copinho de leite»), a falta de beleza ou de visão («Ó caixa d’óculos!»), o peso excessivo («É cá um pote!») ou a inteligência curta («Grande calhau!»)
A área semântica dos animais será talvez uma das mais produtivas neste processo. O animal selecionado é reduzido a uma característica negativa estereotipada e transformado em arma de arremesso. Assim se ofende, evocando a falta de beleza («É um patinho feio»), o excesso de manha («Uma mosca morta!»), a falta de iniciativa («É cá uma galinha choca!»), a ignorância ou tolice («Grande lontra!»), a pouca inteligência («Grande burro»), a falta de higiene («Seu porco!»), o caráter maldoso («É uma víbora!») ou até alguém excessivamente falador («Seu papagaio!» ou «Grande gralha!»).
Os disfemismos não transportam todos a mesma carga pejorativa e estão claramente dependentes do contexto e, por isso mesmo, dizem muito de quem os diz. Proferir «Ó meu cabrão!» num jogo de cartas, entre amigos, até pode ser uma forma de reconhecer a sorte ou a habilidade de alguém. Mas, dizer o mesmo ao juiz num tribunal já será intolerável.
Há ofensas que se situam muito acima na escala da injúria. Usar nomes de animais para denunciar, com verdade ou falsidade, as opções sexuais de alguém é muito comum, mas não deixa de evidenciar a descortesia de quem injuria quando opta por verbalizar frases como «É uma vaca!» ou «Grande cabra!» Estas injúrias podem também deslizar para o campo da moralidade, sendo mobilizadas para acusar alguém de falta de lealdade ou de procedimento pouco ético. Estamos já perante opções que se encontram além da fronteira do socialmente aceitável. Quem não o percebe será pouco sensível aos processos de adequação linguística e aos seus contextos de uso. Ou será mesmo um bruto…
Para lá de qualquer escala de injúria, encontra-se a opção de mobilizar animais como o chimpanzé ou o macaco para proferir ofensas de cariz racista. Estas escolhas denunciam o grau zero de civilidade de quem as pronuncia. Mostram o ser humano reduzido ao seu estado bruto.
De facto, os disfemismos dizem infinitamente mais sobre quem os diz do que sobre quem é ofendido. E, uma coisa é certa: há degraus da escala da injúria que não podem nem devem ser subidos, porque a língua é feita de homens e para os homens. Deixemos os animais em paz!