Sobre como a opção pela reportagem em direto, em situações de catástrofe, nem sempre coincide com o uso sereno que a boa gramática exige. Texto do autor publicado no jornal “i” de 1/07/2013.
As primeiras notícias não indicavam que a tragédia ferroviária de Santiago de Compostela iria assumir as proporções que mais tarde se verificaram.
Indiferentes aos princípios segundo os quais uma boa peça gravada é melhor do que um mau directo e que mesmo um directo deve ser cuidadosamente preparado, as redacções despacharam os jornalistas disponíveis para o local do acidente. Lá estiveram eles, horas a fio, noticiário após noticiário, à procura de algum pormenor original para a abertura das suas peças. Mas ninguém suporta tanto esforço durante tanto tempo.
O resultado foi desastre sobre desastre. No ar e no local. Ouviu-se de tudo: «As autoridades espanholas reduziram para 78 mortos as vítimas mortais...»; «ainda não foram identificadas as identidades...»; «os feridos subiram para uma centena e meia...»
Num segundo dia de trabalho, uma jornalista – que já havia informado os seus telespectadores de que não dormira na noite anterior e que portanto estava bêbada de cansaço e de sono – tropeçou na língua da seguinte maneira: «[...] passaram por este hospital 131 feridos que foram aqui atendidos, a maior parte dos feridos graves e que ainda permanecem aqui internados 42, trinta dos quais graves, quatro em coma, entre os quais, nestes trinta, há três crianças.» Exausta porém feliz, ainda entrevistou um dos viajantes do fatídico comboio, que identificou como «um dos jovens que no seu "vagon" só um passageiro é que morreu».
É inevitável. O desastre ficará na história.
in jornal i de 1 de agosto de 2013, na coluna do autor Ponto do i. Manteve-se a antiga ortografia, seguida pelo jornal.