1. Em Portugal, continua instalada a prática de juntar títulos académicos aos nomes próprios em enunciados como «o senhor doutor deseja um café?», ou «a senhora engenheira... está?». Neles ocorrem formas de tratamento ou de referência que pretendem obsequiar um prestígio real ou imaginado, quantas vezes com lapsos embaraçosos («olhe que a senhora não é engenheira, é arquiteta...»). Mas não terá a língua recursos para um estilo mais económico e direto, sem faltar à civilidade e ao respeito mútuo nem entrar em familiaridades abusivas? O nosso idioma disponibiliza uma crónica do historiador e político português Rui Tavares, na qual, depois da fúria revolucionária do título – "Morte aos doutores!" –, se salienta com mais distância um acontecimento político com repercussão linguística: «Segundo ouvi na rádio, não foram mencionados os títulos académicos dos novos ministros e secretários de Estado durante a tomada de posse do novo Governo. Tentei depois procurar confirmação na imprensa escrita, mas não vi qualquer menção a este facto. A ser verdade, é uma revolução. Por ter acontecido e por não ter sido notado, o que significa que pode estar em vias de normalização o tratamento igualitário e republicano pelo nome próprio» (texto da edição de 30/11/2015 do jornal português Público). No consultório, para falar e escrever sem sobressaltos, as dúvidas focam a grafia da expressão «mau humor», o uso do nome próprio espanhol Don Juan e a análise da concordância na frase «todos os dias é Natal».
2. Dos usos e inovações que, em Portugal, o mundo mediático vai registando, colhe-se o (aparente) neologismo perplexizante, empregado pelo ex-vice-primeiro-ministro Paulo Portas, líder do CDS-PP, agora na oposição. A palavra foi proferida durante a discussão em parlamento de uma moção de censura ao novo governo português, mas já não é primeira vez que Portas a emprega. Na verdade, ela já ocorria em 2014, em declarações reproduzidas pela Rádio Renascença, que assinalou a sua novidade com aspas: «"É "perplexizante" que alguns achem que as casas caem do céu.» Mas o vocábulo tem história mais recuada, como atesta uma ocorrência de 2007, num título do blogue do politólogo português Pedro Magalhães: "Tesourinhos perplexizantes da história eleitoral portuguesa". O percurso desta palavra não dicionarizada promete.*
* O uso escrito de perplexizante recua a 1995, se não for anterior: o Corpus de Referência do Português Contemporâneo (CRPC), do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa apresenta seis ocorrências da palavra, compreendidas entre 1995 e 2000; os corpora da Linguateca (CL), que incluem textos brasileiros, facultam uma única ocorrência, datada de 1997, num texto de Portugal (no Corpus do Português, nenhuma ocorrência). Refira-se também a forma perplexante, que uma consulta das fontes consultadas identifica com textos jornalísticos portugueses (no total, duas ocorrências, mas só uma datável – de 1995). Perplexizante pressupõe o tema dos verbo "perplexizar", que os dicionários não registam nem os corpora consultados revelam; perplexante tem por base o tema de perplexar, que ocorre uma vez nos textos brasileiros dos CL (trata-se de um particípio passado com valor passivo: «Processar-se-á a desinfernização do transporte rodoviário nacional, ainda hoje perplexado por mão-de-obra despreparada e metodologias operacionais superadas.»). Sobre perplexizante, observa o tradutor brasileiro Luciano Eduardo de Oliveira, também consultor do Ciberdúvidas (comunicação pessoal): «Seria interessante saber se o político português também usaria o infinitivo "perplexizar", que o adjetivo perplexizante sugere. Se voltarmos ao latim, temos que perplexo vem de perplexus, por sua parte composto de per + plecto, cujo particípio presente, perplectans, muito facilmente teria dado "perplectante" ou "perpletante". A palavra evoca a invenção de um também político, desta vez brasileiro, Antônio Rogério Magri, que comentou que um plano governamental era "imexível" (ou seja, que não podia ser retirado), uso muito criticado na década de 90.»
3. É tempo igualmente para um breve esclarecimento sobre a publicidade em língua inglesa que se acha nestas páginas. Trata-se de um espaço exclusivamente gerido pelo ISCTE-IUL, para cujos servidores o Ciberdúvidas se transferiu a partir de 10 de junho de 2015, situação que determinou mudanças estruturais e contrapartidas em benefício da referida entidade. Embora o ideal fosse ler essas mensagens promocionais em português, os compromissos universitários internacionais da instituição que nos acolhe requerem o inglês como veículo suscetível de abranger um público ainda mais alargado. Sem deixar de desejar o sucesso dessa estratégia na projeção além-fronteiras do ensino superior de Portugal, fazemos votos para que, em breve, a língua portuguesa se faça ler intensa e extensivamente não só nesse âmbito mas também aqui.
4. Termina neste dia o congresso internacional Língua Portuguesa: uma Língua de Futuro, uma iniciativa com que a Universidade de Coimbra quis assinalar as comemorações da sua fundação há 725 anos.
5. No programa Língua de Todos de sexta-feira, 4 de dezembro de 2015 (às 13h15*, na RDP África; com repetição no sábado, 5 de dezembro, depois do noticiário das 9h00*), fala-se das regras do hífen à luz do Acordo Ortográfico e de algumas flexões verbais difíceis. No Páginas de Português de domingo, 6 de dezembro (às 17h00* na Antena 2), comenta-se a abolição, em Portugal, dos exames no 4.º ano de escolaridade e reflete-se sobre a questão do cânone nas literaturas de língua portuguesa (mais informação na Abertura de 2 de dezembro p. p.).
6. Devido ao feriado do dia 8, em Portugal, voltamos com nova atualização do Ciberdúvidas, na quarta-feira seguinte, dia 9.
*Hora oficial de Portugal continental.