1. O poeta e romancista português Manuel Alegre foi o vencedor do Prémio Camões 2017, o mais importante galardão literário em língua portuguesa. «Uma homenagem justíssima» [a quem] tanto «contribuiu e contribui para o enriquecimento literário e cultural, não apenas português, mas do mundo da lusofonia», nas palavras do Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, acentuado «o simbolismo» de o prémio ter sido anunciado nas vésperas da data de 10 de junho, assinalada como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Neste ano, as principais comemorações têm sede na cidade do Porto e estendem-se pelo Brasil, às cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Profundamente ligada à língua e à sua maior figura literária, a festa justifica recordar também aqui alguns versos de Os Lusíadas – os da última estrofe do canto I –, que podem bem ser metáfora da turbulência do mundo de ontem e de hoje:
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida*!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
*Avorrecida, arcaísmo por aborrecida (= «que causa desgosto, sofrimento»).
2. Escrever bem será florear textos, ou produzir mensagens muito corretas mas impessoais? Entre estes extremos, define-se um leque de possibilidades que requerem uma constante avaliação do contexto social e afetivo da escrita. Ao encontro destas preocupações, na Montra de Livros, Sandra Duarte Tavares apresenta Cem Maneiras de Melhorar a Escrita, livro de Gary Provost (1944-1995) que o professor universitário Marco Neves traduziu para português.
3. Ainda a propósito de escrita, refira-se a mudança trazida pelas tecnologias, suscitando o emprego de formas como tuitar, "facebookar" ou "whatsappar", entre outros. Na vizinha Espanha, a proliferação de neologismos é monitorizada criticamente pela Fundéu BBVA, que fixa e recomenda novos verbos como mensajear, textear e wasapear (ou guasapear), evidenciando a produtividade (legítima) do sufixo -ear* na língua espanhola. Quanto ao português, na falta de entidade semelhante que defina usos corretos, observa-se mesmo assim – pelo menos, em Portugal – certo comedimento, dada a preferência por perífrases como «enviar/mandar uma mensagem», com eventual referência à aplicação utilizada («enviar/mandar mensagem pelo WhatsApp).
* No português de Portugal, o sufixo correspondente -ear é menos frequente. Existe "scanear", é certo, mas -ar conhece maior favor, como sugerem formas como tuitar e "whatsappar", que, como se disse, aparentemente ainda não têm uso significativo, a ajuizar pela observação de ocorrências em páginas da Internet.
4. Da atualidade internacional, salientam-se acontecimentos que geram palavras novas, ou ativam outras mais antigas mais (ou menos) usadas no léxico português:
– Em 8 de junho, as eleições no Reino Unido, com o pano de fundo de três atentados recentes e a saída da União Europeia (UE), o chamado Brexit, este acompanhado de outros neologismos, alguns talvez efémeros (ler aqui). Refira-se, por exemplo, "Brexitânia", palavra ironicamente empregada pelo historiador e político português Rui Tavares, nas crónicas que escreve para o jornal Público.
– Dois depois, realiza-se a primeira volta das eleições legislativas em França – um bom pretexto pra rememorarmos o que já aqui se condensou sobre algumas da principais marcas do francês na nossa língua
– A inauguração oficial da Expo 2017 em Astana, no Cazaquistão, país não frequentemente mencionado na atualidade noticiosa em língua portuguesa e que, por isso, suscita dúvidas, sobretudo a respeito dos seus gentílicos – cazaque ou cazaquistanês. Leiam-se, portanto, as seguintes respostas em arquivo: Cazaquistão, Azerbaijão, Cazaquistão, Andorra, etc. e Gentílicos usados pelos Serviços da União Europeia.
5. No consultório, quatro respostas em linha: haverá razão para duvidar da gramaticalidade das expressões «disparar a matar» e «matar a tiro»? Ao verbo irromper, pode associar-se a preposição sobre? O que estará correto: «notei na cor dos seus olhos», ou «notei a cor dos seus olhos»? Por último: numa frase como «em se tratando de crime – e disso entendo bem –, não devemos ser lenientes», não será melhor suprimir a vírgula depois do travessão?
6. Quanto aos programas desta semana produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa, são temas:
• no Língua de Todos – na sexta-feira, dia 9 de junho, às 13h15*, na RDP África, com repetição no sábado, dia 10, depois do noticiário das 09h00* –, a língua portuguesa no contexto da globalização, em conversa com o professor universitário português Pedro Gomes Barbosa;
• no Páginas de Português – no domingo, dia 11 de junho, na Antena 2, às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, dia 17 de junho, às 15h30* – , a VI Bienal de Culturas Lusófonas, que decorreu em Odivelas, numa entrevista ao seu coordenador, o escritor português Mário Máximo.
* Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis, posteriormente, aqui e aqui.