1. A oralidade é, muitas vezes, o espaço das grandes inovações linguísticas. Num lento processo, a língua falada lima, transforma, deturpa. Este é um contexto onde a vigilância e o controlo da norma são menos eficazes, o que contribui para a criação de novas realidades lexicais, semânticas e sintáticas. É neste âmbito que se insere a ação da erosão linguística sobre a expressão «raios me/te partam», como se explica numa das respostas divulgadas na nova atualização do Consultório. É também na oralidade que encontramos registos da construção «combinar para», que aqui se analisa em contraste com os usos normativos. Numa outra resposta, explica-se que a expressão de realce «é que» é uma construção cuja origem se perde no tempo, sendo possível identificar a sua utilização já em textos de Padre António Vieira, o que parece contrariar a tese do seu decalque da construção francesa «c'est que». Apresentamos ainda uma resposta que trata os significados do nome tempo enquanto termo que designa meteorologia e tempo cronológico. Por fim, abordamos uma questão que envolve as construções com o verbo insistir.
2. Bem portuguesa é a questão-tag «não já?», usada no final de uma pergunta para confirmar uma determinada informação, cujos usos o jornalista e cronista Miguel Esteves Cardoso explora para concluir que os processos da significação se enredam em construções específicas que exigem um conhecimento profundo da língua para serem compreendidas. Exemplo disso é também o uso da expressão «pois não», cuja significação afasta o português do Brasil do português europeu (crónica divulgada no jornal Público, aqui transcrita com a devida vénia).
3. A palavra coronavírus entrou definitivamente no leque dos lexemas mais usados e ouvidos na atualidade. Numa viagem à sua origem, o professor universitário, escritor e tradutor Frederico Lourenço conta-nos parte da história dos caminhos da forma e da significação dos nomes corōna e vīrus, que se vieram a juntar para designar uma nova realidade. Duas palavras que «[p]or via da herança grega e latina, [...] têm uma história milenar, cuja viagem (pelo menos a reconstruível) começa com Homero e tem ponto de passagem no Novo Testamento», esclarece o autor num texto divulgado no seu mural de Facebook. Também o tradutor e professor universitário Marco Neves, influenciado pela omnipresença da palavra palavra da atualidade, enceta uma viagem à história da palavras vírus, que, ao longo do seu percurso de evolução, surge em Os Maias, de Eça de Queirós, numa altura em que o conhecimento desta nova realidade era considerado um real avanço da medicina (texto divulgado no blogue do autor, Certas Palavras, e aqui transcrito com a devida vénia).
4. A evolução dos processos articulatórios no campo do desenvolvimento da linguagem humana é uma área de estudos muito interessante e de âmbito muito complexo, dada a dificuldade em encontrar evidências que comprovem as teorias desenvolvidas. A revista National Geographic divulgou um estudo, considerado uma hipótese controversa, que procura associar o início da produção das consoantes fricativas /f/ e /v/ à diversificação dos alimentos, realidade que veio a alterar o processo de desgaste dentário, facilitando, assim, a reprodução destes sons (artigo disponível em linha aqui).
5. A leitura digital tem tido um crescimento extraordinário, tendo vindo a substituir, em inúmeras situações, a leitura em papel. Não obstante a rapidez e a facilidade associadas à leitura neste suporte, um estudo desenvolvido em Espanha demonstrou que a leitura em papel favorece a compreensão, até porque se associa a uma maior calma e concentração, que o mundo digital raramente propicia (ver notícia aqui). Estes resultados poderão também revelar-se pertinentes para a realidade portuguesa.Todavia, em sentido contrário, encontramos projetos que apostam no desenvolvimento das competências digitais, procurando, em muitos momentos, a centralidade das tecnologias no espaço da sala de aula (como nos relata a reportagem divulgada na Revista_2, separata do jornal Público). O equilíbrio entre a motivação que as tecnologias proporcionam e a construção da compreensão que o papel assegura mais eficazmente será um dos desafios da educação do século XXI.
6. Entre os eventos relacionados com a língua portuguesa, divulgamos a realização do Festival do Roteiro da Língua Portuguesa – Guiões –, que pretende criar um espaço propício à criação de guiões / roteiros que possam promover a criação e a produção cinematográfica em língua portuguesa. Este festival decorrerá em Lisboa, no cinema São Jorge, na Universidade Lusófona e na Cinemateca Portuguesa, nos dias 11 a 13 de março.