Nasceu em Lisboa há um mês e promete fazer história ao tornar-se na primeira criança com nome próprio mirandês, pelo menos desde o reconhecimento como segunda língua oficial de Portugal, há 15 anos. Lhuzie (equivalente a Luzia em português) é neta do principal dinamizador da língua mirandesa em Portugal, Amadeu Ferreira, e filha do linguista José Pedro Ferreira, investigador do ILTEC.
Chama-se Lhuzie (pronuncia-se como se se escreve com acento na última sílaba) e a atribuição do nome, disse hoje fonte da família, teve de passar por um pedido especial que foi aceite há dias e que abre as portas a quem quiser dar nomes em mirandês aos filhos.
Lhuzie, equivalente a Luzia em português, é neta do principal estudioso da atualidade da língua mirandesa, Amadeu Ferreira, um mirandês levado para Lisboa pelo êxodo transmontano, que empurrou também o filho e a nora, pais da bebé.
«É um orgulho o primeiro registo em mirandês ser da minha neta», afirmou à Lusa, embora a ideia nem tenha sido dele. Foi da mãe de Lhuzie.
O mirandês, falado junto à fronteira num recanto de Trás-os-Montes, é desde 1999, a segunda língua oficial de Portugal, mas até aqui apenas há registos de nomes de pessoas coletivas, nomeadamente associações.
Relativamente a pessoas individuais, Amadeu Ferreira garante que «é a primeira vez, é um feito histórico».
A atribuição de nome em Portugal obedece a regras muito estritas e só podem ser atribuídos a cidadãos portugueses os nomes próprios constantes de uma lista onomástica.
O de Lhuzie foi agora acrescentado a esta lista, mas foi necessário um pedido especial e uma sustentação jurídica para convencer os serviços dos Registos e Notariado de que ele existe e não traz qualquer prejuízo ao portador por poder ter conotações negativas.
O pedido foi fundamentado com o direito ao nome reconhecido na Constituição [Portuguesa], a lei que reconhece os direitos linguísticos dos mirandeses e outros documentos históricos como uma publicação do vocabulário mirandês do padre Moisés, onde consta o nome, como explicou à Lusa o pai de Lhuzie, José Pedro Ferreira.
Os pais entenderam que «era muito importante passar a língua para a próxima geração e o que melhor senão o próprio nome».
José Pedro Ferreira acha que a filha não vai estranhar o nome e se for falante do mirandês e de outras línguas, como os pais esperam que seja, não estranhará.
Uma feliz coincidência é Lhuzie ter nascido próximo do Dia Europeu das Línguas, que se assinala, 26 de setembro, e que para os pais tem «um sentido especial» por serem bilingues.
O registo do nome acaba por ser para este pai «mais um passo em direção ao uso natural do mirandês em todos os contextos do quotidiano».
Para José Pedro Ferreira, que é investigador no Instituto de Linguística Teórica e Computacional – ILTEC, «a aceitação do registo pode ser um feito muito importante para o mirandês», uma língua «ameaçada, minoritária, mais usada em casa, no âmbito familiar e de trabalho, sobretudo no campo e na pastorícia».
O estatuto de segunda língua oficial de Portugal impulsionou a generalização do ensino em mirandês, embora apenas no concelho de Miranda do Douro e como disciplina opcional. Ainda assim, metade dos alunos estuda mirandês.
Outros passos positivos apontados são a comunicação bilingue na Câmara de Miranda do Douro e a refundação da Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa, no âmbito da qual está a ser criado na cidade de Miranda do Douro um centro de documentação, a Casa de la Lhéngua, e uma plataforma virtual que albergará ferramentas essenciais, como um dicionário e corretores ortográficos para o mirandês.
O passo seguinte, defende, deve passar pela assinatura pelo Estado português da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias do Conselho da Europa, que enquadraria as práticas políticas do país para as línguas minoritárias, como o mirandês.
notícia divulgada pela agência Lusa, no dia 25 de setembro de 2014.