Para se poder dar uma resposta mais segura, teria sido muito importante termos tido acesso ao excerto que nos proporcionasse a parte que mencionasse a que é que «esse vento» se refere, pois ser-nos-ia bastante útil para inferirmos a intenção com que esta frase foi dita, o que poderia implicar a existência de outros recursos estilísticos. Imaginemos que essa frase tinha sido formulada por alguém que estaria a criticar outrem, ou mesmo a brincar/gozar com alguém, que estivesse a passar por uma experiência de um sentimento que provocasse nela grandes alterações, sendo alvo de ditos de outros. Então, estaríamos em presença de uma ironia e, até, de um disfemismo, porque tal sentimento estaria associado a algo negativo, que provocava desequilíbrio na pessoa que ama. De qualquer forma, independentemente da intenção com que foi dita, a existência destes recursos não compromete a de outras figuras de estilo.
Como a consulente nos diz que esta frase tem como referência o «amor», vamos partir do princípio de que o sujeito que enuncia essa frase não a diz num tom irónico, mas como se o sentisse ou como se o analisasse como puro objecto de interesse.
Se o sujeito de enunciação, para definir ou caracterizar o amor, faz a fusão de duas realidades — a do amor e a do vento — que se assemelham, que têm pontos comuns, sem colocar o termo de ligação «como». Trata-se, portanto, de uma metáfora em «esse vento».
Ao especificar as acções «desse vento», dizendo «que sopra e ateia os incêndios», dá-lhe vida, do que se conclui que está aí presente também a personificação ou prosopopeia, «processo que consiste em atribuir vida, ou qualidades humanas, a seres inanimados, irracionais ou mortos» (João David Pinto Correia, «A expressividade na fala e na escrita» in Falar melhor, Escrever melhor, Lisboa, Selecções Reader’s Digest, 1991, p. 499). Note-se, por conseguinte, que dizer «o vento sopra» constitui um uso metafórico do verbo soprar que já não é sentido como linguagem figurada; trata-se de uma catacrese, ou seja, «metáfora já absorvida no uso comum da língua, de emprego tão corrente que não é mais tomada como tal, e que serve para suprir a falta de uma palavra específica que designe determinada coisa [...] (p.ex.: braços de poltrona; cair num logro; dentes do serrote; nariz do avião; pescoço de garrafa; virar um vaso de cabeça para baixo etc.).» (Dicionário Houaiss).