A divergência entre dicionários deve-se, quanto a mim, à possibilidade de espácio-/espacio- ser encarado de duas formas: quer como elemento composição de «natureza substantiva», e daí escrever-se espaciotemporal; quer como redução ou truncação do adjetivo espacial, permitindo a grafia espácio-temporal (à semelhança de luso-brasileiro). Esta distinção enquadra-se no Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945) e é característica do Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, págs. 216ss e 250ss) de Rebelo Gonçalves. É de notar que o elemento em apreço não se encontra registado em obras de referência para a ortografia do acordo de 1945, como são o Vocabulário Resumido da Língua Portuguesa (1947), da Academia das Ciências de Lisboa, ou o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, permitindo que perdure a instabilidade ortográfica da palavra composta. Também sintomático de ambiguidade é o facto de a Mordebe apresentar duas formas segundo o AO 1945: espaciotemporal e espácio-temporal.
Observe-se, porém, que dicionários portugueses e brasileiros acolhem espácio como palavra autónoma e não como radical (como elemento não-autónomo). É assim que se regista a forma espácio como adjetivo no Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves (Coimbra, Coimbra Editora, 1966). O Dicionário Houaiss (versão eletrónica de 2001) acolhe esta forma, mas classifica-o como adjetivo, ao mesmo tempo que indica tratar-se de variante regional de espaço usado como adjetivo, na aceção de «que tem chifres muito abertos, espaçados (diz-se de bovino)», característica dos falares do Nordeste brasileiro e de Minas Gerais. De qualquer modo, o Dicionário Houaiss apresenta a grafia espaciotemporal, tal como o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, que regista espaciotemporal, sem ter entrada para espácio. Contrariando esta tendência, confirmo que o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa consigna espácio-temporal.
Com a adopção do Acordo 1990, os Vocabulários Ortográficos da Língua Portuguesa (VOLP) publicados — o brasileiro, da Academia Brasileira de Letras (ABL) e o português da Porto Editora — convergem, porque aglutinam os elementos constituintes do adjetivo, mas ao mesmo tempo divergem, porque usam formas diferentes do primeiro elemento: espaçotemporal (VOLP ABL); espaciotemporal (VOLP Porto Editora).1
1 Agradecemos ao consulente Castro Salgado (Porto) a seguinte informação: «Embora o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa registe espaciotemporal, no dicionário Houaiss segundo a nova ortografia há uma alteração: espaciotemporal é substituído pela grafia espaçotemporal, com correcção da etimologia: “espaço + temporal”. Com esta alteração, o Dicionário Houaiss está de acordo com a grafia registada no VOLP ABL, como bem referem.»