Em latim, AE não representa propriamente uma letra, mas um grafema formado por duas letras. Em latim clássico, este grafema representava o ditongo [aj], que se pronunciava aproximadamente como na nossa palavra “pai”. Utilizava-se tanto em palavras de origem latina (que se grafavam com AI antes do segundo século a. C.) como em termos importados do grego, para transcrever o ditongo αι (por exemplo, SPHAERA, «esfera», do grego ΣΦΑΙΡΑ). Este ditongo, no entanto, não se manteve, e acabou por se reduzir a [ε] (ou seja, e aberto). Em inscrições que datam dos séculos I e II da nossa era, encontram-se, por exemplo, as grafias NERVAE e QVESTVS, em vez de NAERVAE e QVAESTVS, respectivamente.
Esta prolação manteve-se durante toda a Idade Média (altura em que se começou a recorrer à ligadura Æ para representar o grafema) e entrou pelos tempos modernos, até meados do século XX, altura em que cada vez mais foneticistas internacionais do latim clássico começaram a propugnar a chamada «pronúncia restaurada», ou seja, a do latim literário do período clássico, no tempo de Cícero, César e Virgílio. Hoje é esta a pronúncia adoptada em quase todas as universidades nacionais e estrangeiras e a utilizada nos congressos internacionais de latim. De acordo com a mesma, AE pronuncia-se [ai], seja qual for a posição que o ditongo ocupe na palavra. Portanto, segundo a pronúncia restaurada, o AE de VITAE articula-se exactamente como o AE de AEDES, ou seja [ai].
No entanto, é importante fazer aqui uma ressalva. Embora a pronúncia restaurada seja utilizada nas universidades e nos congressos de latinistas, ela continua a ser do desconhecimento dos leigos. Ignoram-na mesmo os que aprenderam latim no secundário, no tempo em que era obrigatório, se o fizeram antes de essa pronúncia ter sido adoptada na escola onde foi lhes leccionada a disciplina. Entre os advogados e cientistas, por exemplo, as palavras ou expressões latinas são geralmente articuladas de acordo com a pronúncia tradicional.
O mesmo se pode afirmar do público em geral, que desconhece a pronúncia restaurada e profere da forma tradicional aquelas palavras e expressões latinas que caíram no domínio público (sui generis, ex aequo, entre muitas outras, para não falar da mais universal de todas: etc, sigla que representa a locução et cetera, ou seja, «os restantes»). De acordo com a pronúncia tradicional, curriculum vitae pronuncia-se currículum víte, e é esta que deve preferir-se. Pretender impor a articulação vítai (ou mesmo wítai), de acordo com a pronúncia restaurada, parece-me um exagero ou mesmo um pretensiosismo tão grande como seria exigir que se pronunciasse etc. (et cetera) da mesma forma que os romanos do tempo de Cícero: et kétera…
Também é de evitar a prolação vitái, como às vezes se ouve por aí, pois essa nem é tradicional nem clássica. É apenas um despautério…