Respondo com base nas suas considerações que me parecem mais significativas. No entanto, para evitar os assuntos de carácter geral, que não fazem parte das atribuições de Ciberdúvidas, vou cingir-me a exemplos de questões relacionadas com a língua.
Essência da Lei
Concordo que não é perfeita a execução da Lei quando se aplicam as normas meramente com formalismo, sem atender ao seu espírito. As normas existem para melhorar o entendimento entre as pessoas e não para sermos escravos delas (parafraseando uma frase que tem dois mil anos). Cito um exemplo: Na evolução do termo correcto biopsia para o incorrecto “biópsia” (variante não preferível, que aparece já nalguns dicionários), podemos pronunciar também a palavra como proparoxítona (esdrúxula) numa comunidade que a prefira assim; mas num texto exigente devemos escrever ainda sem acento [atendendo à evolução da língua, o formalismo da pronúncia ainda correcta é ignorado, mas o espírito das normas em vigor é respeitado].
Governantes trocam a sabedoria pela insensatez.
As normas e as regras numa democracia são feitas em princípio por pessoas sabedoras e de boa-fé [não autocráticas, como acontece numa ditadura). Assim, não podemos, à partida, considerá-las insensatas, quando nos falta técnica de avaliação ou não dominamos todas as premissas que estiveram no seu estudo.
No caso em apreço, os vários países que adoptaram para bilião o milhão de milhões (como eu já disse, esta decisão não é uma bizantinice só portuguesa) terão concluído que, assim, será mais fácil a designação de grandes números.
Por exemplo, invocando a astronomia, onde a pequenez das nossas dimensões é impressionante, se quisermos falar da distância à estrela que nos está mais próxima (quatro anos-luz) em quilómetros, teremos de considerar um valor multiplicado por dez elevado a doze, designação um pouco abstracta. Ora, na regra de o bilião ser um milhão de milhões, poderemos dizer que são uns tantos biliões de quilómetros...
A lei é igual para todos e para bem de todos.
Na língua, ou nas normas técnicas, não se põe o problema de haver favorecimentos de corporações em detrimento de outras pessoas. Se houvesse, sim, estaríamos num caso de falta de equidade
Consequentemente, não há legitimidade nela para que haja exigência de cumprimento.
Aceita-se que o respeito pelas regras depende muito do respeito que tenhamos pela sua boa adaptação e pela idoneidade de quem as fiscaliza ou julga. No entanto, mais ou menos admiradas na sua perfeição e execução, as regras devem-se cumprir enquanto estiverem em vigor, companheiro Miguel G. Silva. Caso contrário, caímos no risco de viver sem regras, de sermos uns fora-da-lei. Cito dois exemplos: se não respeitarmos as regras ortográficas, podemos cair na barafunda que havia antes da profunda reforma ortográfica de 1911; barafunda na qual cada escritor, na prática, usava a grafia que mais lhe agradava, com profusão de yy, letras duplas e iniciais sc, etc. A norma portuguesa de 1945 foi taxativa na abolição do trema no nosso país; ora, embora pensando que este sinal (ainda conservado pelos brasileiros) faz falta para esclarecimento da pronúncia de algumas palavras da língua, isso não me dá o direito de o utilizar em Portugal num texto corrente.
Quando não concordamos com as regras, há sempre em democracia a hipótese de contribuirmos para a sua alteração, com proposta àqueles que as elaboram. Nas normas técnicas, e neste caso do bilião, sugiro o Instituto Português da Qualidade.
Agradeço que nos tenha escrito. Escreva sempre. O debate cortês de ideias é útil para esclarecer o pensamento. Considero, no entanto, este assunto do bilião encerrado para mim.
Cf. Quantos zeros leva o número 1 bilião? + Você sabe escrever um bilhão? e Milhões, Mil milhões, Biliões ou Triliões? Esclareça a confusão!