1. Tem toda a razão. A frase do título do artigo de José Saramago tem a vírgula a mais, embora não caiba ao autor a mínima responsabilidade*. É uma oração adjectiva. Se substituirmos «que não se defende» pelo adjectivo «indefesa» também não colocamos vírgula. Pelo seguinte: «uma língua indefesa» é o sujeito da frase; e «morre» o predicado . Todos sabemos que é asneira separar o sujeito do predicado numa oração.
Há quem defenda que as vírgulas servem também para indicar a entoação. Nada mais errado: a vírgula serve só para separar os elementos de uma oração. Mas é preciso saber quais os elementos que se devem separar e os que não se devem separar. Por exemplo, nesta frase: «O meu amigo João resolveu ir passear». Pelo facto de haver uma pausa em João já vi por aí escrito a frase com a vírgula no João («O meu amigo João, resolveu ir passear»). Erro crasso – porque, repito, nunca se separa o sujeito do predicado.
2. A verdade é que a frase de José Saramago não é verdadeiramente essa. O que José Saramago escreveu foi: «Hoje, uma língua que não se defende, morre». E a pontuação de José Saramago está certa pelo seguinte:
a) Temos aqui a seguinte afirmação: «Hoje morre». Nesta afirmação está intercalado o seguinte: «uma língua que não se defende».Uma das funções da vírgula é marcar palavras que se encontram intercaladas. Devemos, pois, aceitar esta pontuação.
b) Não haveria vírgulas se a frase estivesse escrita assim: «Hoje morre uma língua que não se defende». Ou então: «Morre hoje uma língua que não se defende».
NB - Não se põe vírgulas antes do que, porque este pronome relativo introduz uma oração adjectiva. Chama-se adjectiva, porque desempenha a função dum adjectivo. Ora todos sabemos que não se separa o adjectivo do substantivo a que ele se encontra ligado. O mesmo se dá, como se compreende, com uma oração adjectiva.
3. Quanto aos primeiros exemplos referidos pelo sr. Rui Gouveia ele volta a ter toda a razão:
a) «Uma língua indefesa morre» – sem vírgula.
b) «Uma língua que se não se defende morre» – igualmente sem vírgula.
c) «Uma língua com aftas dificulta a mastigação" – também sem vírgula.
4. Finalmente as últimas frases:
a) «Quem sabe, sabe»
b) «Quem sabe sabe»
c) «Quem sabe... sabe»
A frase a) está correcta: deve ter vírgula a separar as formas verbais, porque separam orações diferentes. A segunda está errada e a terceira (com reticências) aceita-se, dependendo do contexto da frase.
Cf. Vírgulas e Pontuação, in Respostas Anteriores
*J.M.C.– José Saramago escreveu o seu texto para o Ciberdúvidas sem título. Ao optar pela frase que melhor me pareceu sintetizá-lo («Hoje, uma língua que não se defende, morre»), prescindi do advérbio «Hoje», transcrevendo o resto da frase ipsis verbis. Sobre esta querela, cf. Controvérsias.