«(...) «É ridículo e irracional» falar do português como língua segunda [quando] os cabo-verdianos ainda não têm um conhecimento científico da sua língua primeira. (...)»
Marciano Moreira, estudioso do crioulo cabo-verdiano.
«A língua é a principal identidade de um povo e reconhecer a língua como património nacional é praticamente reconhecer a identidade do povo cabo-verdiano. A identidade é a única coisa que nos distingue enquanto povo».
Questionado, em entrevista concedida ao portal cabo-verdiano SAPO Muzika/Inforpress, sobre iniciativa do Governo da cidade da Praia para a «classificação imediata» do crioulo como património nacional, Marciano Moreira lembra que ele está a ser usado cada vez mais e em todas as áreas e que uma percentagem maior de pessoas tem a consciência da necessidade de valorizar a sua língua materna.
«Uma percentagem cada vez maior dos cabo-verdianos está a tomar consciência de que valorizar a nossa língua é valorizar a nossa identidade e que a língua é o elemento essencial da nossa liberdade, dignidade e identidade e, portanto, quem não se orgulha da sua língua não tem orgulho de ser cabo-verdiano», diz, advogando que o Governo [da cidade da Praia] «tem o dever constitucional de fazer muito mais do que tem estado a fazer, que passa primeiramente por ensinar a língua crioula na escola».
Ao mesmo tempo, critica a ministra da Educação e Inclusão Social Maritza Rosaball por ter «matado» o processo de ensino bilingue, «em vez de continuar com este processo que estava a ter excelentes resultados».
«Isso é inconstitucional, é violação da Constituição que diz que é tarefa fundamental do Estado preservar, valorizar e promover»; justificou.
Este estudioso do crioulo cabo-verdiano considera ainda que é «ridículo e irracional» falar do português como língua segunda se os cabo-verdianos ainda não têm um conhecimento científico da língua primeira¹, pois, a seu ver, sem um conhecimento científico, não se pode ter o crioulo como referência para ensinar o português.
No que toca à oficialização da língua cabo-verdiana, Marciano Moreira defende que ela é uma «língua oficial em construção» e diz acreditar que poderá ser efetivada, porque o Governo incluiu no seu programa de legislatura a oficialização da língua cabo-verdiana.
O Dia Internacional da Língua Materna foi proclamado pela UNESCO em 1999, sendo comemorado em todos os seus países-membros, com o objetivo de proteger e salvaguardar as línguas faladas em todo o planeta.
A escolha do dia 21 de fevereiro serve para lembrar a população mundial da tragédia que ocorreu em fevereiro de 1952, na cidade de Daca, no Bangladesh. Vários estudantes foram então mortos pela polícia enquanto protestavam pelo reconhecimento da sua língua – o bengalês – como um dos dois idiomas oficiais do então Paquistão.
A data é assinalada anualmente pelos Estados-membros da UNESCO e visa a promoção do multilinguismo e da diversidade linguística e cultural.
¹ Cf. Gramática do crioulo cabo-verdiano + Cabo Verde elege 2019 como ano da morna que deverá ser Património Mundial
Entrevista publicada no portal cabo-verdiano SAPO Muzika/Inforpress no dia 21 de fevereiro de 2019.