Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.
Havia luz pela amplidão suspensa
no azul do céu, vergéis e coqueirais...
e o Lácio, com fulgores divinais,
abrigava de uma virgem a presença...
Era um castelo de ouro, amor e crença,
que igual não houve, nem haverá jamais...
Onde os poetas encontraram ideais
na poesia nova, n'alegria imensa...
A virgem era a Língua Portuguesa,
a mais formosa e divinal princesa,
vivendo nos vergéis de suave aroma!
Donzela mei...

A língua é um instrumento de prazer. Por vezes doce, por vezes amarga.
Para usar e abusar. Para aceitar e para recusar. Para dizer. Para amar. Para
mentir. Para lutar. Para viver.

A língua pode ser meiga, suave, túrgida, bífida, trabalhadeira. Ou então
brusca, áspera, terrível, iracunda, traiçoeira. Como os sentimentos. À flor da
pele.

Para que serve a Língua Portuguesa

«Tinham sido dias complicados, febres descontroladas e sem razão aparente, ora muito altas, ora muito baixas, e o braço a inchar, e a doer horrivelmente, assim como se a carne fosse rebentar da pele – mas eu odeio hospitais, e fui tentando tudo (incluindo aquelas mezinhas que a gente já sabe que não resolvem rigorosamente nada mas que dão um grande consolo à alma – e se a alma precisava de ser consolada, meu Deus!) para ver se a coisa se resolvia a nível caseiro.»

Texto da escritora Alice Vieira publicado no Jornal de Notícias de 22 de Junho de 2008

Esta língua que eu amo

Com seu bárbaro lanho

Seu mel

Seu helénico sal

E azeitona

Esta limpidez

Que se nimba

De surda

Quanta vez

Esta maravilha

Assassinadíssima

Por quase todos os que a falam

Este requebro

Esta ânfora

Cantante

Esta máscula espada

Graciosíssima

Capaz de brandir os caminhos todos

De todos os ares

De todas as danças

Esta voz

Esta língua

Soberba

Capaz de todas as cores

Todos os riscos

De expressão

(E ganha sempre à partida)

Esta língua portuguesa

Capaz de tudo

Como uma mulher realmente

Apaixonada

Esta língua

A nossa magna lingua portugueza

De nobres sons é um thesouro.

Seccou o poente, murcha a luz represa.

Já o horizonte não é oiro: é ouro.

 

Negrou? Mas das altas syllabas os mastros

Contra o ceu vistos nossa voz affoite.

O claustro negro ceu alva azul de astros,

Já não é noute: é noite.

 

26-8-1930

No descomeço era o verbo

 

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.

 

O verbo <i>for</i>

Escrita ainda em vida do autor, esta saborosíssima crónica sobre uma prova oral... «bestíssima» foi publicada no jornal "O Globo" (e em outros jornais) a 13 de setembro de 1998, integrando o livro "Conselheiro Come».

Quando n'alma pesar de tua raça
a névoa da apagada e vil tristeza,
busque ela sempre a glória que não passa,
em teu poema de heroísmo e de beleza.

Génio purificado na desgraça,
tu resumiste em ti toda a grandeza:
poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
o amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
da estirpe que em perigos sublimados
plantou a cruz em cada continente,

não mor...
Um poeta na turma

Ainda não disse que tenho um Poeta na turma. É o Romão. Faz o possível por "parecer" Poeta, pela maneira como se senta, pelo tom de voz, e até pelo reclamo falado que de si faz: assina "o Poeta"; acha naturalíssimo que eu lhe chame "ó Poeta" e diz aos outros que se não devem admirar de que haja Poetas que escrevem prosa: «Eu também sou Poeta e faço muitas redacções.» Tenho-lhe dito que é preciso ser Poeta princip...

O adjectivo

Dá-me de comer.
Se não fora ele
O que houvera de ser?

(...)