O verbo cair, na expressão «cair no sono» ou «cair em desgraça», não é verbo pleno, pois não tem natureza eventiva, isto é, não significa «movimento vertical em direcção ao chão decorrente da força da gravidade». O verbo sofreu processo de gramaticalização, à semelhança do que acontece com o verbo-suporte1. Podemos, então, dizer que o verbo participa numa expressão fixa2. Como tal, todos os elementos da predicação funcionam como um todo, correspondendo a uma esquematização de natureza compacta3, onde não é possível operar qualquer fragmentação.
Daí a sua rigidez: estas expressões apresentam fortes restrições quanto à variação em número ou quanto às operações de determinação, por exemplo (cf. *«cair nas desgraças»; *«cair neste sono»). Daí também o facto de estas expressões poderem, tal como acontece nas locuções com verbo-suporte, ser parafraseadas por um verbo pleno: cair no sono = adormecer; cair em desgraça = desgraçar-se. Daí, ainda, a impossibilidade de tradução, palavra a palavra, da sequência V-SP para outra língua, o que prova que as funções universais de predicador-objecto não estão a ser cumpridas.
1 Os verbos-suporte «são verbos que servem de suporte verbal ao autêntico predicado, o nome», Mário Vilela, Gramática da Língua Portuguesa, Almedina, p. 60. Exemplos de verbo-suporte: dar saltos = saltar; fazer queixa = queixar-se; pôr em risco = arriscar; ter em consideração = considerar.
2 Apesar de o termo expressão fixa estar pouco delimitado; ver, a este propósito, Elisabete Marques Ranchod – "O lugar das expressões fixas na gramática do português".
3 Sobre a análise de expressões fixas com os verbos dar, ter e fazer, à luz da teoria de Culioli, consultar Clara Nunes Correia – "Estabilidade e deformabilidade das formas linguísticas".