DÚVIDAS

Novo acordo ortográfico, gerúndio

Segundo o que já ouvi falar, no Brasil têm sido tomadas medidas para que o gerúndio deixe de ser usado nos casos em que, no português europeu, este é substituído por «a + infinitivo», ou seja, os brasileiros deixariam de escrever e pronunciar «eu estou trabalhando» em troca de «eu estou a trabalhar» como em Portugal. Gostaria de saber se isso é verdade, pois isso seria um grande passo para a unificação "de facto" da língua portuguesa, não só a nível ortográfico.

Por outro lado gostaria de saber se os portugueses poderão continuar a escrever recepção, óptica, decepção ou aspecto, quando o acordo ortográfico entrar definitivamente em vigor, pois os pês e os cês que se escrevem nestas palavras e que são mudos em Portugal pronunciam-se no Brasil.

Resposta

O novo acordo ortográfico (AO) procura dar alguma uniformização à ortografia; não unifica a língua, pois aceita semântica e sintaxe diferentes nas diversas comunidades linguísticas. Até mesmo na ortografia, torna, no universo da língua, legais grafias diferentes, com o mesmo significado e função.

Quanto ao gerúndio, o Brasil não vai ser obrigado a mudar os seus hábitos linguísticos. Não há nada no novo AO que o prescreva. Nem isso fazia sentido, pois esses hábitos de uso do gerúndio são até dialectais em Portugal.

No que se refere aos termos: recepção, decepção, aspecto, óptica, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, português do Brasil (VOLP PB), publicado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), regista efectivamente todas estas grafias, mas só com dupla em aspecto/aspeto. Distingue óptica, ciência da visão, de ótica, ciência da audição. Isto é, não tem “receção” nem “deceção”, que provavelmente serão adoptadas em Portugal. Creio que quanto a óptica, prevalecerá o bom senso em Portugal, de manter também o p, mudo na ciência da visão.

Enquanto o novo AO não estiver em vigor em Portugal, a grafia oficial é a de 1945 e suplementos posteriores. "Quem escrever agora com os termos diferentes do novo AO" está oficialmente a grafar com erros ortográficos, se não prevenir que o faz intencionalmente.

Mesmo quando o novo AO estiver em vigor, durante o período da moratória continua a ser válida também a grafia de 1945. Acabada a moratória (foi de seis anos), será conveniente usarem-se em Portugal as grafias do Acordo de 1990 que forem recomendadas para o nosso país, até haver um dicionário comum para toda a lusofonia. Logo que haja este dicionário, até os saudosistas poderão legalmente voltar a escrever, por exemplo, recepção, decepção, concepção (embora nestas palavras a consoante p desapareça para Portugal). E eu poderei usar algumas das soluções brasileiras, que considero preferíveis (ex., que tenho citado: toalete, hifens, estresse, Iugoslávia, etc.). Vice-versa para os brasileiros.

Mas antes de podermos sonhar com essa uniformização na língua, é pelo menos indispensável que, ao menos, tenhamos urgentemente um VOLP PE (português europeu), para que não corramos o risco de o vocabulário comum da lusofonia passar a ser o VOLP PB.

A esta impressionante 5.ª edição da ABL em 2009, só temos entre nós, a contrapor, como lei na língua, um vocabulário resumido em 1970, pois o mais completo data de 1940. Temos de reconhecer que tem havido (desde essa década...) uma indiferença revoltante dos nossos governantes também pela língua, um dos valores nacionais.

Ao seu dispor,

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa