Nestas construções, a forma preferível do pronome será a acusativa (me).
A frase em questão é uma forma abreviada que é equivalente, na forma desenvolvida, à frase (1):
(1) «Deixa que eu faça isto.»
Se analisarmos a frase, identificamos uma oração subordinante («Deixa») acompanhada de uma oração subordinada completiva («que eu faça isto»). Nesta segunda oração, está presente o pronome pessoal eu, que desempenha a função de sujeito da forma faça. O pronome assume a forma nominativa (eu) por ser esta a forma típica desta função.
Esta oração subordinada pode ser convertida numa oração reduzida de infinitivo, na qual a forma faça se converte em fazer:
(2) «Deixa-me fazer.»
De acordo com a interpretação de Bechara, em Lições de Português pela Análise Sintática, me desempenha nestas frases a função de sujeito, sendo, segundo o gramático, o único caso em que um pronome oblíquo funciona como sujeito2. O autor apresenta como exemplo a seguinte frase:
(3) «Sabina fêz-me sentar ao pé da filha do Damasceno […]» (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)1
Refira-se ainda que Cunha e Cintra condenam construções como «vi ele»: «Na fala vulgar e familiar do Brasil é muito frequente o uso do pronome ele(s), ela(s) como objecto directo em frases do tipo: Vi ele / Encontrei ela. Embora esta construção tenha raízes antigas no idioma […] deve ser hoje evitada.»3
Não podemos, não obstante, deixar de observar que na variante brasileira do português, esta construção está bastante generalizada, sendo possível identificá-la em inúmeros registos de maior informalidade e até em letras de canções.
Disponha sempre!
1. Cf. Bechara, Lições de Português pela Análise Sintática. Ed. Fundo de Cultura, pp. 212-214.
2. Não obstante tudo o que ficou dito, na Gramática do Português, que adota uma perspetiva mais descritiva e menos normativa, é possível encontrar uma descrição mais alargada das construções com o verbo deixar (e outros verbos causativos). Afirmam os autores que este verbo se pode construir com uma oração subordinada finita («deixou que os filhos saíssem»); com uma oração de infinitivo flexionado (deixou os filhos / eles saírem») ou com uma oração de infinitivo simples (deixou-os sair») (para um maior aprofundamento, cf. Barbosa e Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1957 – 1961). Esta análise mostra que existe uma terceira possibilidade de construção com o verbo deixar, que, contudo, parece ser aceitável sobretudo com a 3.ª pessoa. Refira-se ainda que na análise da terceira possibilidade, os autores consideram que o pronome os é complemento direto de deixar constituindo um caso de elevação de sujeito para objeto (cf. Idem, ibid., p. 1962).
3. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, p. 290.
Cf. Termos e expressões do coloquial do cotidiano da zona rural no Brasil central no século XX.