DÚVIDAS

A expressão popular «andaste comigo à escola»

Se alguém escrever «andaste comigo à escola?» está a cometer algum erro?

Bem sei que a expressão «andaste comigo na escola?» é mais frequente, mas a primeira sendo mais antiga está formalmente incorreta?

Obrigado.

Resposta

A expressão em causa, que não foi possível encontrar atestada noutra fonte que não a da pergunta que é feita, tem cabimento na comunicação mais informal, mas arrisca-se a ser vista como um erro noutros contextos. Em situações que requeiram menos familiaridade, emprega-se a expressão mais corrente: «andaste/andou/andaram comigo na escola».

Pode tratar-se de um caso de analogia com «ir à escola». Contudo, é importante assinalar que o verbo andar ocorre em muitas expressões populares, e aparece em algumas como abreviação de «andar a apanhar» no sentido de «andar a colher» ou «andar à procura»: «andamos aos figos», «andava à azeitona», «andou à amêijoa». Um exemplo deste último caso:

(1) «Cheira a maresia. Na maré baixa há centenas de vultos na água, andam à amêijoa. » ("Bruno Vieira Amaral no lugar do morto", Público, 21/04/2017 )

A esta construção pode associar-se uma expressão que exprima companhia: «andava comigo à amêijoa», ou seja, «andava comigo a apanhar amêijoa» ou «na apanha da amêijoa». É possível que esta construção tenha contaminado «andar (com alguém) na escola» (equivalente a «ser colegas na mesma escola»), e daqui tenha resultado «andar com alguém à escola» – mas não se encontraram fontes seguras que legitimem esta hipótese.

Observe-se ainda que a falta de dados sobre a construção não permite confirmar que seja mais antiga que «andar com alguém na escola».

 

N. A. (07/06/2021) – Um consulente identificado, a quem agradeço a partilha, comunica-me que a expressão «andar à escola» encontra registo numa edição de 1902 do livro Cantos populares portuguezes, de António Thomaz Pires, no seguinte canto (número 3990, p. 240): «Eu já vi um gato lêr,/ Um grilinho andar á escola,/ Nas azas duma formiga/ Armar-se o jogo da bola» (mantém-se a ortografia do original). Entretanto, também pude encontrar uma abonação mais recente: «Não me puseram a andar à escola.» (António Manuel Revez, "O regresso", Diário do Alentejo, 09/04/2021). Trata-se do discurso direto de uma personagem, o que sugere que a expressão terá uso apropriado na oralidade.

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