Sem outro contexto que auxilie a interpretação, a identificação do sujeito da oração subordinada é, de facto, ambígua. Este facto acontece devido aos processos de coesão existentes na língua, os quais permitem recuperar sintagmas não verbalizados.
Ora vejamos, a oração subordinante «A mãe bateu na filha» apresenta dois referentes extralinguísticos: «a mãe» e «a filha». Por seu turno, o verbo da oração subordinante, «porque estava bêbada», tem um sujeito nulo, ou seja, o sujeito não está verbalizado. Em língua portuguesa, quando este fenómeno ocorre, há duas possibilidades de reconstruir o referente do sujeito:
(i) o contexto comunicativo: os falantes que comunicam entre si sabem, por exemplo, que se fala de uma filha que se encontrava ébria. Logo, foi este estado que motivou a ação da mãe;
(ii) o cotexto (os elementos linguísticos que antecedem a frase em questão): pela leitura dos segmentos textuais anteriores, os leitores estavam já na posse de informação que lhes permitiu, por exemplo, identificar a filha como o sujeito que se encontrava bêbedo;
Não se verificando nenhuma destas possibilidades, ou seja, se a frase for apresentada de forma isolada, a ambiguidade será gerada devido ao processo de coesão anafórica. Na estrutura textual, quando existe uma elipse (informação que não foi verbalizada) ou quando se recorre a um elemento que aponta para outros no texto (como um pronome), os interlocutores procuram reconstituir o significado destes elementos por meio de processos anafóricos, ou seja, procuram nos elementos textuais anteriores os referentes para os quais os elementos vazios de significação poderão estar a apontar. Assim, nas frases (1), com elipse do sujeito (assinalada por [-]), ou (2), com um pronome, o processo de recuperação do sujeito leva a que se identifiquem dois possíveis referentes, «a mãe» ou «a filha»:
(1) «A mãe bateu na filha porque [-] estava bêbeda» (= «a mãe» ou = «a filha»)
(2) «A mãe bateu na filha porque ela estava bêbeda» (= «a mãe» ou = «a filha»)
Por esta razão, sem outro contexto, poderemos afirmar que o sujeito de estava é ambíguo porque não temos elementos que permitam afirmar que a anáfora aponta inequivocamente para «a mãe» ou para «a filha».
Disponha sempre!