Não é só a consulente que tem dificuldade em distinguir. De facto, não existe um critério que defina com segurança a diferença entre radical, por um lado, e prefixo ou pseudoprefixo, por outro.
Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, em Inovação Lexical em Português (Lisboa, Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2005, págs. 30-32; mantenho a ortografia original) explicam que «[o prefixo] corresponde frequentemente a antigas preposições e advérbios latinos e gregos» e «tem um conteúdo semântico menos gramatical (e concomitantemente mais facilmente perceptível) do que o sufixo, levando por vezes a situações em que é difícil distinguir entre prefixos e elementos de composição». As autoras deixam ainda a seguinte advertência:
«[...] [O]s prefixos avaliativos colocam alguns problemas de classificação, dado que, na paráfrase composicional dos derivados, estes prefixos equivalem frequentemente a adjectivos e, nesses casos, apresentam um significado que pode considerar-se de natureza lexical, pelo que podem ser considerados elementos de composição. Atente-se na paráfrase composicional de megaconcerto [...] que é "grande concerto". As dificuldades em distinguir os dois processos de construção de palavras [explicam] que, em diversas gramáticas tradicionais, a prefixação fosse incluída nos processos composicionais.»
Também Alina Villalva, em Estruturas Morfológicas (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para Ciência e Tecnologia, 1998, pág. 358), comenta o mesmo problema:
«Não é [...] surpreendente que, na tradição gramatical portuguesa, a prefixação tenha por vezes sido considerada como um tipo de composição [...]. A hipótese que coloco é a de que a prefixação, contrariamente à composição morfológica, não opera por intermédio de um elemento de ligação. No entanto, considerando que a prefixação e um tipo de composição morfológica são processos de modificação [...] pode admitir-se que se trata de fenómenos muito próximos, cuja fronteira facilmente se esbate, permitindo que alguns prefixos sejam interpretados como radicais, ou alguns radicais como prefixos.»
Uma tese de mestrado, da autoria de Pamela Alves Pereira, foca também esse problema:
«[...] as formações prefixais e as compostas são semelhantes e distinguir uma da outra não é uma tarefa fácil. Quando se analisam as formas mal, não e contra em exemplos como mal-amado, não-alinhado, contra-revolução e se considera a autonomia (no nível morfológico) desses elementos, chega-se a um resultado ambíguo, pois ora tais formas são analisadas como prefixos, ora são depreendidas como radicais membros de um composto.»
Os casos de retro- e auto- são ilustrativos desta ambiguidade. Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984) classificam retro- quer como prefixo (pág. 88: retroceder, retrospetivo) quer como pseudoprefixo (pág. 115: retrocontagem, retrovisor), e auto-, como radical (pág. 113: autodidata, autógrafo) e como pseudoprefixo (pág. 114: autoestrada, autopeça). Deste modo, na falta de outro critério, parece-me que a diferença entre prefixos, radicais e pseudoprefixos continua a repousar sobre a história desses elementos. Ou melhor, é lícita a proposta descritiva que a consulente põe em questão: trata-se da própria descrição de Cunha e Cintra, que a análise linguística contemporânea ainda não parece ter refutado decisivamente.