Sara de Almeida Leite regressa aos guias prescritivos do uso linguístico com esta nova obra, depois de uma série de livros assinados em coautoria (com Sandra Duarte Tavares) ou individualmente – caso de Como Escrever (Tudo) em Português Correto (2017). Com intuitos muito práticos, dirigindo-se a um público não especializado, a autora reúne uma lista extensa de incorreções – 150 erros – que ocorrem tanto na oralidade como na escrita.
O livro organiza-se em 10 capítulos que vão da ortoépia (boa pronúncia) à flexão nominal e verbal, da construção de frases (sintaxe) às impropriedades vocabulares, envolvendo semântica e léxico. No começo de cada capítulo, um texto identifica e contextualiza em traços muito gerais o tipo de problemas que aí se pretende abordar. Quanto à estrutura dos subcapítulos, cada qual dedicado a um erro, apresenta-se primeiro um breve diálogo, no estilo didático de muitas obras do passado, procurando dar vivacidade à doutrina normativa veiculada, a que se juntam pontualmente observações ou reações críticas à construção da norma na atualidade. Segue-se um texto expositivo para identificar a forma correta e explicitar mais claramente a regra ou o critério que excluem a frase, a palavra, a pronúncia ou a grafia ilegítimas.
Certas páginas apelam ao desenvolvimento da sensibilidade para matizes do idioma, quando alertam para casos de hipercorreção, ou seja, para a generalização indevida de algumas regras, e revelam que «mais grande» ou «mais bom» são, afinal, formas corretas (cf. pp. 205 e 207). Contudo, o livro evoca por vezes posições mais conservadoras em matéria de norma, por exemplo, ao dar a impressão de incluir as pronúncias regionais – a maneira lisboeta de dizer coelho, ou o betacismo característico dos dialetos portugueses setentrionais – entre os chamados «vícios de linguagem» (cf. p. 34). Na mesma linha, é questionável, até do ponto de vista do padrão linguístico1, considerar totalmente previsível a distribuição dos duplos particípios passados, aceitando que as formas participais regulares se usam sempre com auxiliares ter (ter matado, ter aceitado) e as irregulares ou curtas se associam a ser (ser morto, ser aceite) (cf. pp. 86 e 95). Refira-se ainda outra posição contestável, a de condenar o uso da expressão «grande beijinho». De qualquer modo, trata-se de um guia muito útil, a confirmar a reconhecida competência desta autora no domínio da divulgação das normas e dos padrões que hoje configuram o português correto em Portugal.
Carlos Rocha
1 É bastante frequente a combinação do auxiliar ter com particípios passados irregulares, de tal maneira, que, em Portugal, encontra este uso abonações na língua literária das últimas décadas do século XXI – «ter aceite» é um caso: «Aliás, ele teria aceite, sob o peso daquela visita no seu ninho de pássaro velho, um tiro de revólver.» (Lídia Jorge, O Vale da Paixão, 1998); «Mas se correctamente nos aconselha a desolação do cárcere, nem por isso falha de convocar remorsos que nos afligem, e depositava eu no meu mano os que me sobrevinham, cismando em que não deveria ter aceite a capitania-mor, por ser ele mais velho e mais sábio do que eu [...].» (Mário Cláudio, Peregrinação de Barnabé das Índias, 1998). Sobre particípios passados duplos, leia-se Telmo Móia, "Algumas áreas problemáticas para a normalização linguística – disparidades entre o uso e os instrumentos de normalização", in Atas do XX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa: APL, 2004, pp. 115-119).
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