Tendo em conta que «não é» é redução de «não é verdade?» ou «não é assim?», deve usar-se o ponto de interrogação, mesmo que este apareça entre orações ou intercalado em frase ou oração, quando se quer sugerir ou transcrever o discurso oral, uma vez que a expressão remete para perguntas, ou seja, para enunciados que envolvem uma interpelação directa.
No entanto, dado que «não é(?)» se especializou como marcador discursivo1, atenuando ou perdendo em muitas ocorrências tal carácter de interpelação, não me parecem de rejeitar usos que suprimem o sinal interrogativo. É de salientar que, nesta área, não encontro critérios para marcadores discursivos, porque, geralmente, as obras que tratam de pontuação se situam num quadro tradicional, não considerando a a especificidade funcional de tais unidades linguísticas. Por exemplo, verifico que, em ocorrências no Corpus Oral do Português Fundamental (disponível no sítio do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa), a transcrição de «não é» tanto inclui como exclui o ponto de interrogação, o que pode refle{#c|}tir indefinição do valor interrogativo desse marcador; p. ex.:
(1) «... UMA VERBENA CONSIDERADA A MAIOR VERBENA DO PAÍS, NÃO É, QUE TEM SIDO FEITA NO PALÁCIO DOS BISCAINHOS...»
(Entrevista n.º 0067; «não é» sem ponto de interrogação e antes de oração relativa).
(2) «É, É UMA TRISTEZA, E A GENTE, A GENTE, NÃO É, NÃO, NÃO FAZ IDEIA DO QUE SE PASSA» (Entrevista n.º 0053; «não é» sem ponto de interrogação, entre sujeito e predicado).
(3) «ENTÃO, MAS AQUILO É UMA SERRA, NÃO É? UMA ESPÉCIE DUMA SERRA REDONDA, NÃO É? QUE SERRA UMA MULHER AO MEIO» (Entrevista n.º 0029; «não é» com ponto de interrogação, antes de rectificação de predicativo do sujeito e antes de oração relativa).
Quanto ao outro caso, o de ponto de interrogação seguido de dois-pontos, só não aceito a sequência "?:", por ela não me parecer habitual.
Em alternativa, sugiro duas possibilidades:
a) ponto de interrogação sem dois-pontos depois de «assim»;
b) dois-pontos depois de «assim» e ponto de interrogação depois da frase citada, fora das aspas finais:
«Deve-se escrever como acabei de fazer, ou assim:
"Eu só escolhia aquilo que mais me agradava, não é?, e deixava de lado o resto."»?
1 O Dicionário Terminológico define assim os marcadores discursivos: «Unidades linguísticas invariáveis, com alto grau de gramaticalização, que não desempenham uma função sintáctica no âmbito da frase, nem contribuem para o sentido proposicional do discurso, mas que têm uma função relevante na produção dos actos pragmático-discursivos, estabelecendo conexões entre os enunciados, organizando-os em blocos, indicando o seu sentido argumentativo, introduzindo novos temas, mantendo e orientando o contacto do locutor com o interlocutor. Os marcadores discursivos podem subdividir-se em estruturadores da informação, sobretudo com a função de ordenação (“em primeiro lugar”, “por outro lado”, “por último”, etc.), de conectores [...], de reformuladores, sobretudo com a função de explicação e de rectificação (“ou seja”, “por outras palavras”, “dizendo melhor”, “ou antes”, etc.), operadores discursivos, sobretudo com a função de reforço argumentativo e de concretização (“de facto”, “na realidade”, “por exemplo”, “mais concretamente”, etc.) e marcadores conversacionais ou fáticos (“ouve”, “olha”, “presta atenção”, “homem”, etc.).»