DÚVIDAS

Vírgula depois de pontos de exclamação e de interrogação, novamente

Fiquei esclarecido quanto à explicação que o Sr. Dr. José Neves Henriques deu sobre o uso da vírgula depois de pontos de exclamação e de interrogação.

Entretanto, agora estou novamente embaraçado pois encontrei os casos que abaixo indico e que parecem não se ajustar àquela explicação:

  1. - Ai!, até admira!...
    - Ah!, suba, Sebastião, suba! Quer subir?
    - Luísa, Luísa!, o que queres tu fazer? Não podemos romper assim! Escuta... (in "O Primo Basílio", de Eça de Queirós)
  2. - Jesus!, que mocetão!...

    - Oh!, decerto que não...

    - Ah!, e o boticário entenderia as receitas que escreveu? (in "As Pupilas do Senhor Reitor", de Júlio Dinis)

  3. - De notar que Camilo Castelo Branco optou por não usar vírgulas em casos semelhantes:

    - Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze...

    - Ah! já sei, e a D. Teresinha Albuquerque. (in "Amor de Perdição")

    Parece-me que estes casos têm que ver mais com o estilo literário de cada autor. Não será assim?

    Agradeço os vossos comentários.

Resposta

Tem muita razão nas dúvidas que apresenta. Nas obras de pontuação por mim consultadas, quer portuguesas quer estrangeiras, não encontrei o emprego da vírgula a seguir a ponto de exclamação e de interrogação. E compreende-se, porque, muitas vezes, é uma questão de efeito estilístico. Mas há uma explicação que me parece aceitável. Vejamos as frases:

  1. Ai!, até admira!...
  2. Ah!, suba, Sebastião, suba! Quer subir?
  3. Luísa, Luísa!, o que queres tu fazer? Não podemos romper assim! Escuta...

Todos sabemos que uma das funções da vírgula é separar as orações. As exclamações têm geralmente o valor duma oração – digo valor, não digo constituição.

Aquele «Ai!» tem um valor significativo tão intenso e tão vasto (não sabemos qual), que leva a pessoa a dizer: até admira!... Esse valor significativo só nos poderá ser transmitido por meio duma oração, pelo menos.

Mais ainda: se suprimirmos o ponto de exclamação, poderemos ter um ai que não seja verdadeiramente uma exclamação, mas a vírgula permanecerá. Como se compreende então que, pondo o ponto de exclamação, teremos de suprimir a vírgula? Como se o ponto de exclamação fizesse também as vezes da vírgula? Isso não poderia ser.

Temos explicação semelhante para a frase 2..

Vejamos agora a frase 3.. Em Luísa, Luísa!, temos uma exclamação (e cá está também a minha vírgula indispensável). Mas este elemento Luísa, Luísa!, que só termina no ponto de exclamação, desempenha a função sintáctica de vocativo. E todos nós sabemos que o vocativo, quando inicia uma frase, tem de ser assinalado com uma vírgula. Eis a razão da vírgula depois do ponto de exclamação.

Como sinal de separação, além da vírgula, temos o travessão. Vejamos esta frase:

  1. Que linda paisagem! – disse o João, quando chegou ao cimo do monte.

Aqui, todos compreendemos que este sinal de separação (o travessão) não se deve suprimir. Como não havemos de compreender que também não devemos suprimir a vírgula, sinal de separação, em frases como a 1., 2. e 3.? A explicação é idêntica para as frases da alínea 2.. Vejamos agora as frases da alínea 3.:

  1. Ah! sim? Cuidei que o tempo parara aqui.
  2. Ah! já sei, e a D. Teresinha Albuquerque.

Na frase 5., aquelas duas palavras «Ah! sim?» encontram-se intimamente ou, pelo menos, quase intimamente ligadas. Por isso, pronunciamo-las, geralmente, numa só emissão de voz, o que não acontece na frase 1.. Não separemos com vírgula as palavras que se encontram intimamente ligadas.

Depois do ponto de interrogação, não ficaria bem uma vírgula, porque é natural a separação, quando pronunciamos. Tanto isto é verdade, que o que se segue começa por letra maiúscula: Cuidei que... Isto é, estamos em presença de duas frases – de duas frases, porque aquele «Ah! sim?» funciona como uma frase. Veja-se também o que se disse acerca da frase 1..

A frase 6. tem apenas uma vírgula, porque em sei termina uma oração. Aquele Ah! está intimamente ligado a já sei. Por isso mesmo, pronunciamos aquelas três palavras numa só emissão de voz.

Se alguma dúvida permanecer, o Ciberdúvidas está à disposição do prezado consulente.

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