O conceito que a consulente tem de oxímoro – como «o aproveitamento estilístico de um paradoxo» – está correcto, revelando reconhecer no oxímoro um recurso específico do domínio literário, um recurso artístico da retórica, atribuindo-lhe um outro nível/estatuto, distinto de paradoxo, palavra usada nos mais diversos contextos para designar qualquer situação bizarra, estranha, que se destacasse pela invulgaridade de «ser contrária à previsão ou à opinião comum». (José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1990).
Penso que a causa da situação que desencadeou esta dúvida se deve ao facto de se ter vulgarizado a utilização de paradoxo como um termo do domínio literário, o que se explica por surgir, com bastante frequência, nas listas das figuras de estilo a nível semântico, quer em algumas gramáticas, quer nos cadernos de apoio aos manuais, adquirindo uma legitimidade nessa área que não lhe parece ser conferida pelos estudiosos/críticos literários.
Como paradoxo é, essencialmente, um termo do domínio da filosofia1, área onde a oratória e a retórica desempenham um papel fundamental, e, por isso, com muitos aspectos comuns aos da literatura, onde os jogos de palavras e de conceitos são frequ[ü]entes, é natural que a análise literária tenha aproveitado esse termo e se tenha, naturalmente, apropriado dele, pois representava uma realidade bastante presente em muitos textos literários.
Na verdade, quer o Dicionário de Literatura, de Jacinto do Prado Coelho (dir.) – em que paradoxo não aparece registado –, quer a Biblos, Enciclopédia das Literaturas de Língua Portuguesa (Lisboa/São Paulo, Verbo, 1999) consideram o oxímoro como «expressão de um paradoxo», definindo-o esta última como expressão sintética de um paradoxo intelectual, o que o torna propício ao brilho de jogos conceptuais». Figura de retórica «cujo «interesse é chamar a atenção para uma verdade profunda em que os conceitos vulgares perdem a sua nitidez e é possível uma conciliação de contrários» (Dicionário de Literatura, ob. cit.), é reveladora da apreensão do mundo pelo sujeito de enunciação, razão pela qual, «literariamente, é muitas vezes empregue na actualização do tópico do mundo às avessas, na descrição de um mundo irracional e injusto, ou na consideração das contradições existentes na sua organização social e hierarquização de valores.» (Biblos, ob. cit.)
Exprimindo uma contradição no seio de um juízo e não o confronto de duas ideias, característica da antítese, a compreensão do oxímoro «obriga o leitor a analisar a realidade a partir de diferentes perspectivas, mas sem que entre elas se estabeleça a dicotomia posta em evidência pela antítese simples.»
Assim, ao jogar com conceitos contrários, o valor estético do oximoro ganha relevo, sobretudo, quando «mais do que um malabarismo conceptual implica uma nova visão das coisas». São apresentados como exemplos desta situação os conhecidos versos do soneto de Camões – «Amor é fogo que arde sem se ver,/ É ferida que dói e não se sente,/ É um contentamento descontente,/ É dor que desatina sem doer;...» (que se misturam com expressões em que prevalece a antítese para definir o amor «contrário a si mesmo») –, de Garrettt – «Saudade, gosto amargo de infelizes,/ Delicioso pungir...» –, de E. de Castro – «Mas quanto mais procuro não te ver/ Quanto mais fecho os olhos, mais te vejo.» – e de Cecília Meireles – «minha mão tosca te agarrou/ com uma dura, inocente culpa.»
Concluindo: o oxímoro é o recurso estilístico que representa um «paradoxo intelectual», revelador da atitude do sujeito poético/de enunciação perante determinada realidade. Por sua vez, o paradoxo, apesar de ser uma das características do oxímoro, é um termo mais abrangente, que se aplica a todas as situações em que o insólito e o ilógico se destaquem.
E parabéns à consulente, pela lucidez com que já interpretara o oxímoro!
1Paradoxo, na filosofia, designa todo o «pensamento, proposição ou argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano, ou desafia a opinião consabida, a crença vulgar e compartilhada pela maioria» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2005). São reconhecidos como referências a nível da filosofia os paradoxos de Zenão, os paradoxos socráticos e os paradoxos semânticos.