O uso da preposição em após o verbo morder está correto. Esta preposição antecede um complemento indireto (na nomenclatura brasileira; na portuguesa será um complemento oblíquo) e por isso pode ser antecedido por esta preposição[*]. No entanto, seria igualmente correto termos «O cão mordeu-lhe a perna», sendo que neste caso teríamos «a perna» como complemento direto.
Refira-se que, na oração apresentada, o -lhe, pronome pessoal átono, assume o valor de possessivo, porque substitui, por exemplo, a sua ou é equivalente à construção possessiva a... dele: «o cão mordeu na sua perna» ou «o cão mordeu na perna dele». Este uso do possessivo é, no entanto, dispensável, porque quando nos referimos a partes do corpo, é possível omitir o pronome possessivo (é um caso de posse inalienável). Neste caso, o pronome pessoal átono funciona como um possessivo: «o cão mordeu-lhe na perna» = «o cão mordeu na sua perna/na perna dele».
[* N.E. – O uso intransitivo do verbo morder está atestado, por exemplo, no Dicionário Houaiss («mordeu na fruta ainda verde»), no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ver em morder a subentrada «morder nas canelas a») e no Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses da Verbo Editora («um cão de guarda mordera na perna do gatuno»). Aparece também em autores literários: «[...] encarrega a calúnia de morder no calcanhar dos vencedores» (Fialho de Almeida, Os Gatos, in Corpus do Português, de Mark Davies). Com este uso, parece mais corrente outra construção: «mordeu-o na perna». Neste caso, o verbo morder ocorre como transitivo direto e indireto: «os mosquitos morderam-no no rosto» (Dicionário Houaiss). Mas não é impossível nem desconhecida a construção intransitiva com lhe possessivo: «Pela primeira vez, Vasconcelos sentiu morder-lhe no coração a serpe do ciúme.» (Machado de Assis, O Segredo de Augusta, in Corpus do Português).]