O sufixo -um ocorre sobretudo em adjetivos dos dois géneros derivados de nomes de animais – cabrum, ovelhum, vacum – (cf. dicionário eletrónico da Porto Editora), aos quais se associa a noção de «qualidade animal» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s.v. -um). Também figura em adjetivos como bafum, «bafio, mau cheiro», bodum, «(literalmente) cheiro de bode, a bode», ou fartum, «cheiro a ranço, bafio, mau cheiro», com o significado genérico de «cheiro animal, mau cheiro» (cf. ibidem).
A relação de -um com o sufixo latino -unu- é confirmada, não de maneira perentória, por José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (mantém-se a grafia original):
«-um, sufixo que indica a ideia de qualidade ou raça animal, de origem ainda não bem esclarecida, mas provàvelmente do lat[im] -ūnu: bezerrum (arcaico bezerruno), cabrum, carneirum, cavalum (kavaluno [...])[1], cervum, gatum, ovelhum, vacum, etc.»
A forma latina -ūnu terá origem popular, como variante do sufixo também latino -inu-. Assim, por exemplo, o adjetivo cabrum terá evoluído de *caprunu- (forma hipotética), usada por caprinu- (que, por via erudita, deu caprino em português); com a mesma variante sufixal teriam surgido ovelhum e vacum, talvez porque esta série de adjetivos se associa à mesma palavra – gado , como em «gado cabrum», «gado ovelhum», «gado vacum» (cf. José Joaquim Nunes, Compêndio de Gramática Portuguesa, Lisboa, Clássica Editora, 1989, pág. 225, nota 7).
Acrescente-se que este sufixo não é especificidade do português, porque também se encontra nos dialetos galegos e no castelhano. Com efeito, o dicionário da Real Academia Galega (RAG) acolhe as formas vacún, cabrún, cervún, cognatas e sinónimas das formas portuguesas vacum, cabrum e cervum. Para o castelhano, também se atestam formas cognatas semanticamente equivalentes, conforme registo do dicionário da Real Academia Espanhola: cabruno (<cabra), cervuno (<cervo), ovejuno (<oveja = ovelha), vacuno (<vaca). Estas formas castelhanas são mais conservadoras do que as galego-portuguesas, visto que nelas permanece o -n- intervocálico da forma sufixal latina -ūnu-.
1 O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa também regista os dois sentidos do sufixo, se bem que, quanto ao segundo, a descrição saliente a intenção depreciativa dos adjetivos derivados que é associada à noção de cheiro. O Dicionário Houaiss também tem entrada própria para a forma -um, sufixo que «ocorre 1) em nomes masculinos (adjetivos, substantiváveis ou substantivados) de relação com animais, predominantemente domésticos, latim -unu- > -uu > -um: bodum, cabrum, caprum, carneirum, galinhum, gatum, ovelhum, vacum, zebrum; 2) em palavras interjetivas, onomatopaicas ou pejorativas, com tendência a ser giriáticas, em que a terminação é quase sempre expressiva: baticum, bebum, brumbrum, bum, burundum, cheirum, dundum, furrundum, hum, podredum, podrum, sovacum, tibum, vunvum, ziriguidum, zum, zunzum, zunzunzum [...]» (desenvolveram-se as abreviaturas). Observe-se, no entanto, que, na série 2, é duvidoso todas a palavras exibirem o sufixo em apreço.
2 Num documento medieval contido nos Portugaliae Monumenta Historica – Diplomata et Chartae (p. 6).
3 Assinale-se que, no português padrão, vacum, cabrum, cervum e outros adjetivos terminados em -um são uniformes quanto ao género. No galego, estes adjetivos têm formas para o género feminino: vacún/vacúa, cabrún/cabrúa, cervún/cervúa (cf. dicionário da RAG).