DÚVIDAS

O predicado verbo-nominal e o predicativo do sujeito

Em resposta apresentada no dia 07/04/2006, referente à pergunta «Gostaria de saber se, nas orações «o professor ministrou a aula lentamente» e «o juiz proferiu a sentença vagarosamente», os termos lentamente e vagarosamente são predicativos do sujeito», a atenciosa consultora ofereceu várias explicações, incluindo esta:

«[...] Os predicados podem ser:

predicado verbo-nominal – existem dois núcleos significativos: um verbo significativo e um predicativo do sujeito. («A Joana sorriu animada») [...]»

Minha dúvida reside no já exaustivamente abordado tópico do predicativo do sujeito. Após ler diversas considerações sobre o tema no sítio do Ciberdúvidas e em gramáticas normativas, concluí que o predicado verbo-nominal existe só quando há um predicativo do objeto (e, para isso, é necessário haver verbos como considerar, julgar, fazer, etc., que pedem complemento). Nos casos em que há predicativo do sujeito e verbo de ligação (ex.: «João é bonito»), o predicado é nominal. Já para os casos em que há um verbo significativo, seguido de um “qualificador” do sujeito, esse “qualificador” corresponde a um aposto, e o predicado é verbal (exs.: «Maria sorriu entusiasmada.» «Maria chegou atrasada.» «Maria olhou o mar, triste.»).

Minhas conclusões podem ser consideradas verdadeiras? Se houver equívoco(s), onde ele(s) está(ão)?

A afirmação da consultora parece destoar de minhas conclusões, visto que, para ela, a frase «A Joana sorriu animada» contém um predicado verbo-nominal e, neste, um predicativo do sujeito («animada»). No entanto, em outras respostas, termos em posição semelhante foram tratados como aposto (ex.: «A rapariga sorriu entusiasmada»).

Outra questão: pode haver predicativo do sujeito sem que haja um sujeito explícito? No Brasil, circula uma conhecida canção que começa assim: «Era uma casa muito engraçada [...].» O sujeito é «uma casa», certo? Mas eu poderia dizer apenas «Era uma casa» ou «Era janeiro» ou «Era um bom homem» e considerar que haja (ou há?) somente predicativo do sujeito?

Quando penso que estou começando a entender o assunto, leio, leio e fico mais confusa. Por favor, ajudem-me. Muito obrigada!

Resposta

De acordo com a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (págs. 133-139), o predicado pode ser nominal, verbal ou verbo-nominal. A classificação que os autores fazem é a que se descreve a seguir:

Predicado nominal — Predicado formado por um verbo de ligação seguido do predicativo do sujeito.

O verbo de ligação pode expressar um estado permanente («Ela é a tua filha»), um estado transitório («Ele esteve entre a vida e a morte durante uma semana»), uma mudança de estado («Ele ficou muito alterado»), uma continuidade de estado («Ela permaneceu calada»), ou, ainda, uma aparência de estado («Ela parecia um retrato»). Os verbos de ligação ou copulativos servem para estabelecer a união entre duas palavras ou expressões de carácter nominal. Não introduzem uma ideia nova ao sujeito, funcionando apenas como elo entre este e o seu predicativo.

Alguns verbos empregam-se ora como copulativos [a)] ora como significativos [b)]:

1 – a) «Estavas zangado.»

 

     b) «Estavas na praia.»

 

2 – a) «Andei preocupado.»

 

     b) «Andei muito rápido.»

 

3 – a) «Fiquei contente com o resultado do jogo.»

     b) «Fiquei em casa na sexta-feira.»

 

4 – a) «Ele continua silêncios.»

 

     b) «Nós continuamos a nossa marcha.»

O predicativo pode ser representado por um substantivo («Este é um vício detestável»), um adjectivo ou locução adjectiva («A sala estava vazia»), pronome («O mito é tudo»), numeral («Nós éramos cinco») ou por uma oração substantiva («Uma tarefa fundamental é preservar a história humana»).

Predicado verbal – Predicado que tem como núcleo um verbo significativo (trazem uma ideia nova ao sujeito), podem ser verbos transitivos ou intransitivos.

Predicado verbo-nominal: Os verbos significativos também podem ser empregados com o predicativo do sujeito, como os verbos de ligação. Nas seguintes orações, os verbos rir e sair são significativos:

a) «O Francisco riu despreocupado.»

b) «Maria saiu da igreja muito pálida.»

Temos que, na primeira oração, «despreocupado» qualifica o sujeito Paulo, e, na segunda oração, «muito pálida» qualifica o sujeito «Maria». O predicado presente nestas frases é um predicado misto, uma vez que possui dois núcleos significativos, um verbo e um predicativo. É portanto denominado predicado verbo-nominal. Neste tipo de predicados, o predicativo anexo ao sujeito pode vir antecedido de preposição, ou do conectivo como; por exemplo: «O feito foi acusado de ilegal.»

O predicativo do objecto pode modificar não só o sujeito como também o objecto directo e o indirecto. O predicativo do objecto ocorre só no predicado verbo-nominal e é expresso por um substantivo («Eu chamo-me Manuel»), por um adjectivo («Eles julgam-no tranquilo»).

Tal como o predicativo do sujeito, o predicativo do objecto pode ser antecedido de preposição ou do conectivo como:

«Eles consideram-no como o primeiro.»

Assim, verifica-se que, para Celso Cunha e Lindley Cintra, do predicado verbo-nominal fazem parte não só o predicativo do sujeito mas também o predicativo do objecto.

Convém assinalar, no entanto, que, sobre o predicativo do sujeito em predicados verbo-nominais, há outras perspectivas. Por exemplo, há quem considere tal constituinte um aposto (ver M.ª Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 369).

Relativamente à sua segunda questão, na oração «Era Janeiro», o verbo ser é impessoal e indica tempo de maneira geral. O sujeito é inexistente. Nos restantes exemplos que indicou, o sujeito está subentendido. Note-se que este sujeito pode ser realizado por um grupo nominal, como «Aquela casa» ou «O Manuel»:

«[Aquela casa] Era uma casa muito engraçada.»

«[O Manuel] Era um bom homem.»

É de assinalar, contudo, que, num contexto narrativo, sobretudo, em histórias infantis e populares, estas frases podem ser equivalentes a frases introduzidas pela fórmula «Era uma vez». Nestes casos, é possível distinguir dois constituintes: um sujeito, realizado como «uma casa muito engraçada» ou «um bom homem»; e um predicado, que é a forma verbal era, interpretada como sinónimo de existia.

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