Em relação à primeira questão, acerca de o uso do artigo o no singular antes de demais, que no caso assume a função de pronome indefinido, podemos confirmar que, apesar de alguns dicionários não o atestarem, como o Aurélio Século XXI (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira), a verdade é que outros, como o Vocabulário da Língua Portuguesa (F. Rebelo Gonçalves) e o Dicionário de Questões Vernáculas (Napoleão Mendes de Almeida) atestam o uso do artigo no singular na locução «o demais», com o significado de «restantes».
Também podemos encontrar este uso em Saramago – «Nódoa grave, mas não única, que para todo o sempre ficará manchando a página final da História do Cerco de Lisboa, sobre o demais tão ricamente instrumentada de tubas retumbantes [...]» (História do Cerco de Lisboa) –, em Machado de Assis – «Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico»(A Igreja do Diabo) e em Arnaldo Gama – «[...] e amanhã de manhã ireis a minha casa buscar o demais que vos é necessário para pagar a vossos outros credores.» (A última Dona de S. Nicolau). Não obstante, o uso da forma pluralizada é mais usual e aceite sozinha ou associada a um nome: «você está dispensado, os demais devem ficar». Neste caso, «os demais» refere-se «aos outros».
Quanto a «o mais» em «o brilho dessa paixão torna-o cego para tudo o mais», trata-se de mais convertido num substantivo masculino que significa «o que sobra, resto, restante» e que está atestado precedido sempre de artigo masculino no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa e no Dicionário Houaiss, por exemplo. A verdade é que se substituirmos o grupo nominal «o mais» pelos equivalentes «o resto» ou «o restante», a presença do artigo também será obrigatória, o que confirma a obrigatoriedade do uso de artigo nesta aceção.