Como em espanhol o agente da passiva e a construção causal são muitas vezes homónimas, consistindo num grupo preposicional introduzido pela preposição por, é necessário recorrer à interpretação, operação que pode não dar o resultado esperado. É, pois, de prever que haja sempre deslizes dos hispanofalantes.
Mesmo assim, depois de um verbo na passiva («foi cancelado») ou verbos de movimento como sair ou entrar, compatíveis com um complemento preposicionado por no sentido de «através» («saí/entrei pela porta»), uma estratégia1 será a de o estudante hispanófono pensar na sua língua materna e substituir a construção de por causativo pelas locuções espanholas a causa de ou por causa de, conforme se pode concluir da leitura da Nueva Gramática de la Lengua Española (Real Academia Espanhola, 2010. p. 750; tradução livre):
«Os grupos preposicionais introduzidos pela preposição por são os que expressam de maneira mais característica a noção de CAUSA. O termo regido pode ser nominal (por simple curiosidad «por simples curiosidade»; por verdadero placer, «por verdadeiro prazer») ou oracional (por haber mejorado,«por ter melhorado»; porque le interesa, «porque lhe interesa»)[...] Se bem que as CAUSAS se distingam dos AGENTES (em geral,pessoas ou animais), pode haver uma sobreposição entre ambas as noções quando lhes é atribuída certa capacidade de atuação e decisão, como em Yo no grito , yo quedo anulado por las sombras (Donoso, Pájaro)[2]. A possibilidade de alternância entre por e por causa de e a causa de, como neste último exemplo, costuma ser indício da interpretação causal.»
Dada a proximidade das duas línguas, não será, portanto, difícil aos falantes de espanhol reconhecer em três das frases apresentadas – O jogo foi cancelado pela tempestade; Estamos confinados pela Covid; e A lei foi escrita pelo presidente, que cometeu um crime – que nelas ocorre a voz passiva e que, em português, só a realização do agente da passiva inclui a preposição por. Com efeito, se a intenção for associar à voz passiva uma expressão adverbial causal a locução mais corrente em português é «por causa de» antes de grupos nominais. Por isso, querendo exprimir uma circunstância de causa depois de uma construção passiva, deve o falante de espanhol pensar se, na sua língua materna, a expressão equivalente introduzida por por pode ser substituída por a causa de (ou por causa de).
Raciocínio semelhante pode ter lugar com Não posso sair pela porta, visto que não tenho a chave3: se o estudante quer falar precisamente de causalidade, deve substituir o por causal, que se confunde com o por direcional («através»), pela locução também causal a causa de e, portanto, em português, dirá e escreverá «por causa da porta» (e «não pela porta»).
1 Haverá certamente outras que não foi possível aqui identificar ou definir.
2 Trata-se da obra de José Donoso, El Obsceno Pájaro de la Noche, ed. Hugo Achugar, Caracas, Biblioteca Ayacucho (in Corpus Diacronico del Español – CORDE).
3 Não posso sair pela porta apenas exprime um impedimento: a saída franqueando a porta não pode ocorrer. Note-se,porém, que a frase completa Não posso sair pela porta, visto que não tenho a chave marca um nexo de causalidade: alguém diz não pode sair pela porta, porque não tem a chave que a abra; contudo, o nexo de causalidade é marcado com referência à falta de chave, e não diretamente à porta.