DÚVIDAS

Este/esse – aquele

A minha dúvida está relacionada com o uso das palavras este e esse. Já li e reli a resposta que deram a uma consulta anterior sobre este/esse tema, mas não fiquei esclarecido. A questão é esta:

Na Gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra, lê-se assim: «Para aludirmos ao que por nós foi antes mencionado, costumamos usar também o demonstrativo esse.» De seguida usa-se como exemplo uma frase de um livro de Alves Redol.
Provavelmente não entendi bem o que estes ilustres mestres da Língua queriam dizer. Será que a ideia é que nestes/nesses casos tanto se pode usar isto como isso? Que depende somente do gosto do autor?

Peço o favor de me esclarecerem acerca deste/desse assunto.

Resposta

1. A função imediata dos demonstrativos este/esse e aquele é a de apontar ou mostrar um objecto que está no espaço físico perceptível do locutor e do ouvinte, de acordo com um esquema de ordenação espacial que tem o corpo do sujeito como ponto primordial de orientação:

este: o objecto está mais próximo do sujeito falante;

esse: o objecto está mais afastado do sujeito falante/próximo do ouvinte.

aquele: o objecto está afastado do sujeito falante e do ouvinte.

2. A função mostrativa/indicativa destes demonstrativos não se exerce apenas sobre um campo perceptivo físico, que o locutor e o ouvinte compartilham no imediato de uma situação de interlocução, mas também sobre o campo textual ou o corpo do texto, realizado pelo encadeamento de enunciados. Neste caso, os demonstrativos este/esse e aquele apontam para lugares, fragmentos, parcelas de texto. O texto pode ser produzido por um só falante ou pode ser co-produzido por dois agentes que entre si vão trocando os papéis de falante-ouvinte, no caso específico do texto dialogal.

3. Podemos pensar nestas duas ordens de funções como uma derivação que colocou em analogia o espaço perceptível de uma situação física com o espaço mental do texto –
tendo-se mantido também a ideia de que o sujeito falante é o ponto central de orientação.

3.1. Numa situação de diálogo, o locutor (L1) pode dizer, em face de um interlocutor (L2):

a) «Este argumento...»

ou

b) «Esse argumento...»

Com grande probabilidade, o argumento referenciado em a) foi avançado por L1 ("eu"), e o argumento referenciado em b) foi defendido por L2 ("tu").

3.2. O locutor usa este ou esse para marcar a sua aproximação ou afastamento afectivo/ideológico relativamente ao estado de coisas referenciado:

c) «Esta posição...»

ou

d) «Essa posição...»

Em c), o locutor tende a identificar-se com o que foi dito por alguém; em d), o locutor marca o seu afastamento em relação ao que diz (e que apenas reproduz).

3.3. Num texto expositivo/explicativo:

e) «Este fenómeno...»

f) «Esse fenómeno...»

Em e), o locutor leva o interlocutor a comprimir a informação fornecida em vários pontos do segmento de texto anterior, ou seja, faz um ponto de ordem, arruma conteúdos, para poder, a partir daí, fazer avançar o texto informativamente. Mais adiante, no mesmo texto e para referir o mesmo conteúdo, o locutor pode recorrer à expressão «Esse fenomeno...» (f) e assim exprimir a sua convicção de que o interlocutor já é detentor pleno da matéria que se está a expor.

Por sua vez, em:

g) «Aquele fenómeno...»,

o locutor dá a instrução ao interlocutor para que afaste o assunto referido do percurso temático central do texto.

4. Os demonstrativos este, esse e aquele são elementos essenciais no trabalho de uma reorganização temática do texto, e a opção por uma ou outra forma demonstrativa depende, basicamente, da assunção do locutor face ao dito e da participação atribuída ao ouvinte/leitor.

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