Agradeço a sua apreciação tão elogiosa. O meu objectivo, sempre, não é fazer literatura na escrita, mas transmitir a mensagem o mais claramente possível (lembro que, entre as qualidades clássicas da linguagem, está a clareza, além do respeito pelas regras...). Não se julgue, porém, que é fácil escrever simples e claro. Os textos têm de ser revistos várias vezes.
Miguel Torga, o mestre da perfeição literária na simplicidade (e bem teria merecido o Nobel), já dizia que escrever simples era difícil.
Se o escritor põe de parte a ideia de fazer uma peça literária, mas simplesmente deseja comungar sentimentos com o seu leitor, isso exige que se interrogue constantemente, introduzindo consigo, sem o escrever, a metalinguagem virtual: «há verosimilhança?», «percebem-me?», «entendem o que eu sinto?».
Quanto ao problema para que pede a minha opinião, eu escrevo:
— Que belo carro! — exclamou Pedro. — Gostava que fosse meu.
Justificação:
Neste discurso (directo) não há solução de continuidade discursiva entre a fala da personagem e a explicação do narrador com o declarativo; logo, minúsculas em «exclamou» (não proibidas depois de sinal de exclamação). O ponto final depois de «Pedro» pode significar que há uma pausa mais longa da primeira fala para a segunda (estas sempre antecedidas de travessão; os declarativos ou a acção interposta ficam, na fala, entre travessões, excepto no fim do parágrafo, que dispensa travessão). É costume mudar de parágrafo de interlocutor para interlocutor.
Também escrevo:
— Ela dorme... — afirmou Tânia — ..., mas ouve tudo.
Justificação:
A descrição do narrador na fala da personagem quebra a continuidade natural desta fala, só com a pausa muito breve da vírgula. A continuidade pode ser sugerida com as reticências (antes, significando que há seguimento; depois, que é uma continuação). A vírgula, segundo as normas, fica depois do fecho do parênteses.
Sublinho que estas regras são as clássicas e são pessoais no pormenor. Só as utilizo, exactamente assim, em casos especiais. Penso, por exemplo, que a limitação de cada parágrafo a um só interlocutor corta a fluência do diálogo, no qual até é frequente um interlocutor interromper o outro na fala.
Dada a gentileza com que me escreveu, e na ideia de que tenha interesse pela ficção, acrescento, para si em particular, ainda as seguintes considerações pessoais (que não pretendem fazer lei, como sempre digo):
Presentemente, alguns escritores subvertem completamente todas estas regras. Substituem o travessão pelas aspas ou pela vírgula e mal distinguem os interlocutores. Exemplo «..... só de olhos vendados se chega ao segredo, disse, sorrindo, e o músico respondeu, em tom igual, Quantas vezes assim mesmo se volta dele, Não seja este o caso, .....» (in Memorial do Convento, de José Saramago). Repare-se, inclusivamente, na maiúscula depois de vírgula.
O discurso indirecto livre mistura efectivamente discurso directo com indirecto, sem aspas nem travessões. Penso, porém, que, para evitar grande esforço do leitor na descodificação, é conveniente que tudo fique claro. Um discurso semelhante ao citado acima, no Memorial do Convento, tem uma inegável fluidez, mas é mais altamente eficaz na comunicação oral, onde o gesto, a entoação da voz e a reacção do ouvinte facilitam a comunicação.