Estamos perante o artigo indefinido uma e o determinante indefinido outra. Como refere o consulente, os determinantes demonstrativos têm «um valor deítico ou anafórico» (Dicionário Terminológico), ou seja, estabelecem ligação com a situação, o contexto ou com outros elementos (interlocutores, objetos), como nas seguintes frases:
1) «Este barco é maior do que aquele» (valor deítico, referindo-se a algo presente no contexto).
2) «O João tem o colesterol mais alto do que o Carlos, embora este seja mais novo» (valor anafórico, recuperando algo dito antes na frase).
Quando o consulente diz que o outro «já não é este, é diferente deste» como forma de parafrasear o enunciado «transformar numa outra pessoa», está, se me permite o gracejo, a fazer batota, visto que o determinante demonstrativo este que utilizou tem um valor deítico que não está presente na frase original.
Por outro lado, ao referir que «”uma outra" ou "numa outra" indica a qualidade (posição) de um ser em relação a outro», também encontramos este tipo de relação noutras situações em que não usamos determinantes demonstrativos e onde não há valor deítico ou anafórico. Por exemplo:
3) «O João passou de empregado de balcão a gerente.»
4) «Depois do casamento, o João passou a ser o cunhado mais novo do Carlos.»
5) «Depois de ser eleito, ele transformou-se numa outra pessoa.»
O tipo de relação que os determinantes demonstrativos estabelecem (a dêixis ou díxis) diz respeito à situação, ao contexto e aos interlocutores da enunciação. Faz parte do tipo de operações referidas por Inês Duarte e Fátima Oliveira em Gramática da Língua Portuguesa (Mira Mateus et al.) como operações de individuação: «fazem corresponder a uma dada expressão linguística um único objeto identificado para o locutor, e pressuposto por este como identificável pelo(s) interlocutor(es)» (op. cit., p. 222).
No caso da expressão «transformar-se numa outra pessoa», integra-se naquilo a que as referidas linguistas denominam, dentro das operações com indefinidos, leitura não específica. Trata-se de casos em que «o interlocutor não conhece qual, de todas as entidades singulares possíveis do conjunto considerado, é aquela a que o discurso se refere» (op. cit., p. 225), e nos quais o foco é realçar um nexo de causalidade ou de intencionalidade. Por outras palavras, aquilo que importa é o processo «transformar-se», ao passo que noutro tipo de operação com indefinidos, como a leitura específica, já se estabelece um referente — ainda que não definido — dentro do conjunto considerado, como na frase «Transformar-se numa pessoa melhor».