É preciso distinguir grafia de pronúncia, e, historicamente, até há algumas décadas, a pronúncia consagrada de Egipto – única grafia aceite antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 – era "Egito", com p mudo, ou, melhor, sem o segmento fónico [p], apesar de se dizer egípcio, com [p].
Sabe-se que era assim (e ainda é entre muitos falantes), porque na Base VI do Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) se inclui a grafia Egipto entre os muitos casos em que o p, embora mudo, se mantinha para os harmonizar com formas afins – o exemplo mais acessível será egípcio, que tem p pronunciado.
Cito a Base VI do AO 45, sublinhando a referência à grafia Egipto:
«VI O c gutural das sequências interiores cc (segundo c sibilante), cç e ct, e o p das sequências interiores pc (e sibilante), pç e pt, ora se eliminam, ora se conservam. Assim:
[...] 4.° Conservam-se quando, sendo embora mudos, ocorrem em formas que devem harmonizar-se graficamente com formas afins em que um e ou um p se mantêm, de acordo com um dos dois números anteriores, ou em que essas consoantes estão contidas, respectivamente, num x ou numa sequência ps. Escreve-se, por isso: abjecto, como abjecção; abstracto, como abstracção; acta e acto, como acção ou activo; adopto, adoptas, etc., como adoptar, afecto, como afectivo ou afectuoso; árctico e antárctico, como Arcturo; arquitecto, como arquitectura; caquéctico, como caquexia; carácter, como caracteres; colecta, como colectar; contracto (diferente de contrato = «acto de contratar»), como contracção ou contractivo; correcto, como correcção ou correctivo; dialecto, como dialectal; didáctico, como didactismo; dilecto, como dilecção; directo, como direcção ou director; ecléctico, como eclectismo; Egipto, como egípcio; eléctrico, como electricidade; epiléptico, como epilepsia; espectro, como espectral; exacto, como exactidão; excepto, como excepção ou exceptuar; flectes, flecte, flectem, como flectir; héctico, como hecticidade; objecto, como objecção ou objectivo; olfacto, como olfacção ou olfactivo; óptico, como opticidade; óptimo, como optimismo; predilecto, como predilecção; projecto, como projecção ou projector; prospecto, como prospecção ou prospectivo; recto, como rectidão; reflectes, reflecte, reflectem, como reflectir; reflicto, reflicta, reflictas, reflictamos, etc., como reflectes, reflectir, etc.; selecta e selecto, como selecção ou selectivo; séptuplo, como septuplicar; sintáctico, como sintaxe (x = ss, mas etimologicamente cs); táctica e táctico, como tacticografia; etc. [...]»
Em 1966, a pronúncia de Egipto sem [p] era ainda a normativa, porque Rebelo Gonçalves a assinala indiretamente no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, quando na entrada Egipto indica que a grafia tem p nas condições da Base VI do AO 45. Acresce que, alguns anos antes, Vasco Botelho de Amaral dizia o mesmo no seu Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, publicado até 1958 (cf. http://www.ciberduvidas.com/montra.php?id=130): «Egipto. Escreve-se o p, que não se profere, porque em egípcio se faz ouvir [...].»
Conclusão: a pronúncia-padrão ou normativa mais antiga de Egipto é "Egito"; a forma com p proferido expandiu-se mais recentemente e terá surgido por hipercorreção, não só induzida pela grafia, mas também pelo desejo de harmonizar o nome do país com o gentílico egípcio e talvez com termos entretanto aparecidos na língua, como egiptologia.