Entre várias fontes consultadas para elaboração desta resposta, não se achou informação sobre a história factual da locução «nem por sombras», que significa «nunca, de maneira algumas» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). O mais que aqui se pode dizer – por enquanto – é que terá génese na negação hiperbólica de uma coisa ou de um estado de coisas : «nem por sombras» = «nunca, nem mesmo a sombra disso». Conhece também a variante «nem por sombra», que não parece diferenciar-se semanticamente.
Observe-se que é possível atestar o uso desta locução adverbial, pelo menos, desde meados do século XVIII:
1. «A consciência não me acusa na matéria, nem por sombra, e para mim isto me basta [...]» (cartas do Abade António da Costa, 1744, in Corpus do Português).
2. «Mas o meu rapaz, o meu Ferrabrás; o meu contimpina, que de dia dorme, e de noite maquina! Oh! Esse, nem por sombras me quer aparecer, ou eu pude ver! Bárbaros! Assassinos! Traidores!» [Qorpo Santo (José Joaquim de Campos Leão), Certa Entidade em Busca de Outra, idem)
É de acrescentar que, em castelhano, se conhece expressão homóloga, «ni por sombra(s), pelo menos, desde o século XVII:
3. «Que reconozcáis, os diré, lo general de la vanidad de la cosa en sí misma. Que por aumento sólo de fausto ni por sombra la solicitéis o apetezcáis.» (Antonio López de Vega, Paradojas racionales, 1655 in Corpus Diacrónico del Español)
4. «Ea dejaos dessos rezelos, señora; recibid essa corona, que no es sino allegorico esse reino, metaforica essa corona, y es simbolica, no real. Y aun esso temo, y ni por sombras quiero corona, que me puede poner en contingencia el ser esposa.» (Francisco Garau, El Sabio Instruido de la Gracia, 1703 idem)
No espanhol contemporâneo, a expressão fixou-se como ni por sombras, com significado equivalente ao português «nem por sombras» (cf. dicionário da Real Academia Espanhola).
Parece, assim, plausível concluir que a expressão «nem por sombras» já existe há alguns séculos em português. A ocorrência de uma sua homóloga castelhana não significa forçosamente que a locução portuguesa seja um empréstimo do espanhol*, pois pode antes sugerir que se trata de um idiomatismo comum a ambas as línguas. Atendendo ao exemplo 3, é até legítimo supor que «nem por sombra» ou «nem por sombras» já ocorriam no português do século XVII.
* Mas também não é possível excluir a hipótese de a expressão ter sido criada em castelhano e ter passado quase imediatamente ao português, por exemplo, no período em que a corte portuguesa foi bilingue ou, mais tarde, na época da união dinástica sob a égide dos Habsburgos (entre 1580 e 1640). Sobre este tema, consultar o artigo "O castelhano como vernáculo português" do linguista português Fernando Venâncio.