Não foi possível dispor aqui de dados factuais sobre a génese e difusão de «ter cada uma», mas trata-se de uma expressão idiomática que, como outras, tira partido do uso de pronomes pessoais de 3.ª pessoa, de outro tipo de pronomes e de adjetivos no género feminino.
Encontram-se, a par do caso em apreço, outros exemplos idiomáticos de uma, em que esta forma parece referir-se vagamente a um elemento omitido (elipse), interpretável como «coisa» ou uma outra palavra do género feminino1:
«tens (com) cada uma» = «tens cada ideia/resposta/reação» (exprimindo surpresa, censura, rejeição; é possível ocorrer a preposição com);
«todos à uma» = «todos ao mesmo tempo» (como se todos tivessem uma mesma vontade);
«não dar uma para a caixa» = «ser incapaz de dar resposta a um assunto ou a uma tarefa» («não acertar nunca»);
«não dizer/responder uma nem duas»: «não ter nenhuma reação, não dar resposta ou satisfação».
Também figura na expressão «de/das duas, uma», em referência a duas opções ou duas condições: «das duas, uma: ou comes a sopa, ou não tens sobremesa.»
Igualmente se fixou na locução descontínua «à uma... à outra», que equivale a «por um lado... por outro...»: «Ele foi duramente criticado: à uma, porque não fez o que devia; depois, porque ocupa um lugar de responsabilidade na empresa.»
Como foi dito no começo da resposta, outras formas pronominais e adjetivais no género feminino são recorrentes na linguagem idiomática:
«Agora é são/vão ser elas!» (quando se fala das consequências de uma alguma imprudência ou de algum erro);
«(andar, viver, estar) na boa vai ela» («ter uma vida despreocupada, divertida e até irresponsável; expressão geralmente depreciativa);
«Essa é boa!» (= «que disparate!»);
«Dizer a alguém das boas» («disse-lhe das boas» = «repreendeu-o/a, zangou-se com ele/ela»), «ouvir das boas» («ouviu palavras de desagrado ou de repreensão».
1 Cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, s.v. um, uma.
2 Ibidem.