DÚVIDAS

A análise da frase «não acho oportuna a ocasião para zombarias»

Há algum teste para identificarmos se o regime se prende com o nome ou com o adjetivo?

Nesta frase de Camilo Castelo Branco: «Não acho oportuna a ocasião para zombarias.»

Nesse exemplo, para é regime de oportuna ou de ocasião?

Se não houvesse o artigo a, portanto, se a frase de Camilo fosse: «Não acho oportuna ocasião para zombarias» – haveria mudança de interpretação quanto ao regime?

Muito obrigado pelo vosso excelente trabalho!

Resposta

Na frase apresentada, a interpretação preferencial será a de que a preposição para é regida pelo adjetivo.

A identificação do regime /regência de uma palavra depende da interpretação do comportamento sintático-semântico que esta assume numa frase.

Para identificar o seu funcionamento, poderemos usar alguns processos. Antes de mais, recorde-se que, quando uma palavra se relaciona estreitamente com outra, estas formam um grupo de palavras que desempenham como um todo uma função sintática. Analisemos a primeira frase apresentada, aqui identificada como (1), aplicando-lhe o teste da pronominalização:

(1) «Não acho oportuna a ocasião para zombarias.»

(1a) «Não a acho oportuna para zombarias.» 

Através deste teste, poderemos concluir que o adjetivo oportuna não integra o grupo nominal cujo núcleo é ocasião, pelo que se conclui que o adjetivo não modifica diretamente este nome, mas forma, antes, um grupo adjetival com o constituinte «para zombarias». Esta estrutura sintática é confirmada pelo facto de o constituinte “para zombarias” não ser assimilado pela pronominalização, como se verificou em (1a). Esta manipulação frásica permite também concluir que é o adjetivo oportuna que rege a preposição para.

Note-se ainda que, se omitíssemos o adjetivo oportuna da frase, o grupo preposicional «para zombarias» assumiria a função de predicativo do complemento direto:

(2) «Não acho a ocasião para zombarias.»

(2a) «Não a acho para zombarias.»

 O grupo «oportuna para zombarias» é, portanto, independente e desempenha a função sintática de predicativo do complemento direto. Trata-se, deste modo, de uma predicação secundária que se identifica também pelo facto de ser possível extrair da frase uma construção copulativa:

(1b) «A ocasião é (oportuna) para zombarias.»

Note-se que se o grupo nominal fosse introduzido pelo artigo indefinido uma, a possibilidade de o nome ocasião reger a preposição para pareceria ser mais viável:

(2) «Não acho oportuna uma ocasião para zombarias.»

(2a) «Não a acho oportuna.»

Neste caso, o grupo nominal seria constituído por «uma ocasião para zombarias», que desempenha a função de complemento direto, sendo a preposição para regida pelo nome ocasião.

Já na frase (3), o teste da pronominalização revela que estamos perante um constituinte único, «oportuna ocasião para zombarias», que desempenha a função de complemento direto, como se comprova pela pronominalização:

(3) «Não acho oportuna ocasião para zombarias.»

(3a) «Não a acho.»

Este mesmo constituinte poderia ser introduzido pelo artigo definido a. Note-se, no entanto, que o artigo definido aparece à cabeça do sintagma nominal, pelo que a frase teria de ter a forma que se apresenta em (3b):

(3b) «Não acho a oportuna ocasião para zombarias.»

No da frase apresentada em (3), é o nome ocasião que rege a preposição para.

Pelo que ficou exposto, podemos concluir que a identificação da palavra responsável pela regência de para fica dependente de critérios tanto semânticos como sintáticos que importa avaliar.

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