Não há, que conheçamos, uma regra para a grafia da abreviatura de número na jurisprudência. Ambas as formas, n.o ou n.º, são passíveis de utilização, por se tratar de abreviaturas de uso geral. As Regras de legística na elaboração de atos normativos do Governo, constantes do Anexo II, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2024, de 24 de abril, que aprova o Regimento do Conselho de Ministros do XXIV Governo Constitucional, referem, na alínea c) do n.º 3 do artigo 21.º, que «excecionalmente podem ser utilizadas abreviaturas, sem prévia descodificação […] nos […] casos de abreviaturas de uso corrente». No mesmo sentido vai o Guia de legística para a elaboração de atos normativos, publicado em 2020 pela Assembleia de República que, no capítulo Abreviaturas, afirma: «deve referir-se que existem abreviaturas consolidadas pelo uso e, por essa razão, de fácil apreensão, que não são, normalmente, descodificadas» (p. 39). Apesar de nele não constarem listas de abreviaturas, como acontece com os prontuários, por exemplo, mas apenas se definirem regras gerais, num dos exemplos, intitulado «Remissão para número de um artigo, salvo quando se utilizar a expressão “número anterior” ou “número seguinte”», e no qual se referem duas leis, é grafado n.º (ibidem). É também dessa forma que o Diário da República grafa essa abreviatura, como facilmente se constata pela sua consulta, seguindo, aliás, o Manual de estilo da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (Lisboa: INCM, 2009, p. 16).
De onde vem então a variação que refere? Muito provavelmente da fonte utilizada: há fontes que grafam o ó sobrescrito com o traço e outras que não o fazem. No Word, em que escrevo, e das fontes que mais utilizo, o Calibri e o Cambria grafam o traço, o Times New Roman e o Arial não o grafam.
Os exemplos poder-se-iam multiplicar. No fundo, umas fontes seguem mais a tradição da escrita manuscrita, em que o traço é mais usado, como se pode constatar nos antigos manuais de caligrafia, e se pode ver pelas imagens que a seguir reproduzimos; outras seguem mais a tradição tipográfica, em que o traço é menos utilizado.
Há, porém, outras possibilidades para essa flutuação: o uso de teclados não adaptados à língua portuguesa, em que não consta a tecla com o o e o a sobrescritos (ver imagem abaixo).
O que obriga a utilizar a função de sobrescrever letras existente nos processadores de texto, como por exemplo o Word, tal como se vê na imagem que a seguir reproduzimos.
A variação da dimensão do ó que se deteta fica certamente a dever-se ou ao facto de ele ser obtido a partir da tecla a e o (o maior) ou da função de sobrescrever letras (o mais pequeno), ou então da estética da fonte, em que umas usam um ó maior e outras um mais pequeno.
Ambas as formas, n.o ou n.º, são, porém, de uso comum e de aceitação geral.
A formulação com traço por baixo do ó sobrescrito, ou seja, o, é a recomendada, por exemplo, pelo Word, com o dicionário de língua portuguesa ativado, que, aliás, assinala a forma sem o traço como incorreta. A formulação com o traço impede, por exemplo, que quando se grafa «1.o» (primeiro) tal não se confunda com «1°» (1 grau).
Seja qual for a opção tomada, é aconselhável, porém, e seguindo as boas regras da legística, que a mesma seja mantida no decorrer de todo o ato normativo, como se infere, por analogia, com o uso das abreviaturas descodificadas, a que se refere o n.º 2 do artigo 21.º das supracitadas Regras de legística na elaboração de atos normativos do Governo, quando se afirma: «havendo descodificação, deve ser utilizada a abreviatura ao longo do texto do diploma».
Uma última nota, é perfeitamente possível que no mesmo texto normativo, redigido em Word, conste a forma n.o, e que, após ser vertido numa qualquer base de dados jurídica, pela passagem por um programa intermediário, que use uma fonte diferente, ou publicado em Diário da República, para cumprir o disposto no supracitado Manual de estilo da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, a abreviatura n.o se transforme em n.º.