Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
97K

Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «enquanto estavas a dormir, ela teve tempo de fazer o jantar, comer e descer ao café», é possível substituir o de por para?

«Enquanto estavas a dormir, ela teve tempo para fazer o jantar, comer e descer ao café.»

Obrigada!

Resposta:

É possível usar as duas preposições: 

(1) «enquanto estavas a dormir, ela teve tempo de fazer o jantar, comer e descer ao café»;

(2) «enquanto estavas a dormir, ela teve tempo para fazer o jantar, comer e descer ao café».

De acordo com o Dicionário Prático de Regência Nominal de Celso Pedro Luft (pág. 496), tempo rege as preposições de e para com o sentido de: «tempo [ocasião, oportunidade] de (fazer) alguma coisa».

Note-se que a preposição de é frequentemente utilizada para indicar uma ação que pode ser realizada dentro de um determinado período, enfatizando a possibilidade ou capacidade de realizar algo. Por outro lado, a preposição para tende a sugerir uma finalidade ou objetivo relacionado ao tempo, indicando que uma ação é esperada ou desejada durante um determinado intervalo. Por essa razão, a opção por uma preposição ou outra pode alterar subtilmente a ênfase da frase, influenciando a perceção do leitor sobre a ação e sua relação com o tempo disponível.

Pergunta:

Qual é a forma correta? «Andar na giraldinha» ou «Andar na giraldina»?

Resposta:

A expressão idiomática está atestada das duas formas, i. e., «andar na giraldina» e «andar na giraldinha», e significa «passar o tempo em diversões, em festas; viver despreocupadamente» (António Nogueira Santos, Novos Dicionários de Expressões IdiomáticasEdições João Sá da Costa, 2006, e Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). 

Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, o termo giraldinha deriva do verbo girar, enquanto a Infopédia sugere que se forma a partir do antropónimo Giralda, com o sufixo -inha. Em ambos os casos, a palavra evoca a ideia de movimento e leveza, sugerindo uma vida despreocupada, que gira em torno de momentos de prazer e alegria.

Estes mesmos dicionários não atestam giraldina, mas o dicionário Priberam sim, com o significado de: «ação de andar, para cá e para lá, ação de girar; correria, lufa-lufa». 

É provável que giraldinha represente uma forma mais antiga da expressão, uma vez que aparece no dicionário de Cândido de Figueiredo na sua primeira edição, publicada em 1899. Além disso, a referência a giraldinha também pode ser encontrada no dicionário Caldas Aulete, o qua...

Empolgar física e emocionalmente
Polegar e empolgar

Que significados acarreta o verbo empolgar e de que forma se relaciona com polegar? A estas questões responde a consultora Sara Mourato, num texto onde aborda a origem e significados do verbo empolgar. 

Pergunta:

Gostaria de saber, por favor, a diferença entre lembrar e relembrar.

Muito obrigada.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Houaiss, os verbos lembrarrelembrar apresentam diferenças sutis em termos de significado e uso:

(1) Lembrar: «trazer (algo) à memória (própria ou de outrem); recordar, relembrar»; «guardar ou ter (algo ou alguém) na lembrança; recordar(-se)»; «fazer vir ao espírito por associação de idéias; sugerir»; «informar (alguém) acerca de (algo); advertir, prevenir»; «mandar lembranças; recomendar».

(2)  Relembrar: «tornar a lembrar; recordar, remembrar».

A diferença entre estes verbos baseia-se, portanto, em nuances de uso. Enquanto lembrar pode referir-se tanto à primeira evocação de uma memória quanto a recordações gerais, relembrar destaca-se por sugerir uma segunda recordação ou o reforço de uma memória já evocada.

Pergunta:

Em português, não é usual palavra com dois is seguidos sem que haja hífen... mas niilismo é exceção! Qual a justificativa?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

De facto, não há assim tantas ocorrências, em português, da sequência ii no interior de uma palavra, como acontece em niilismo

A razão para esta ocorrência está na origem da palavra. Neste caso, em concreto, a sequência ii em niilismo deve-se a um hiato, que é produzido pela transposição do latim ao português. Niilismo tem origem no francês nihilisme, que já estava em uso desde 1801 com o mesmo significado e era um derivado do latim nihil, «nada». No aportuguesamento de nihilisme, fez-se a adjunção do sufixo correspondente -ismo. Ora, em português, não há h no interior de vocábulos, «com exceção do seu emprego, como sinal diacrítico, nas combinações ch, lh, nh» (Formulário Ortográfico de 1911). Também o Formulário Ortográfico de 1943 (que vigorou no Brasil até 2009) atesta esta regra.

Um outro caso exemplificativo, em português, é o de xiismo, «ramo do Islão que considera Ali (genro de Maomé) e os seus descendentes como os únicos legítimos sucessores de Maomé, e está muito difundido no Irão e no Iraque». Aqui, a palavra tem origem no árabe chĩ'a, «partido», mas por via do francês chiisme, «xiismo». Neste caso, manteve-se a sequência ii do francês, por ser aceitável em português.

Note-se, ainda, que há formas superlativas de adjetivos em que pode ocorrer a sequência ii: seriíssimo, necessariíssimo – apesar da língua atual preferir seríssimo necessaríssimo (Celso Cunha e L...