Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Já tentei pesquisar online, sendo que não tenho um dicionário de verbos, e não encontro a resposta em lado algum.

Queria saber qual é a regência do verbo impor.

Obrigada.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (coordenado por Malaca Casteleiro, 2007, pág. 504 e 505), o verbo impor, enquanto verbo transitivo direto, não rege nenhuma preposição, quando:

– tem o sentido «tornar obrigatório ou necessário», numa construção com grupo nominal (sujeito) + verbo + grupo nominal (complemento direto) – ex.: «a situação impõe medidas urgentes»;

–  tem o sentido de «fazer sentir»,  numa construção com grupo nominal (sujeito) + verbo + grupo nominal (complemento direto) – ex.: «aquela voz cavernosa impunha medo».

Por outro lado, enquanto verbo transitivo direto e indireto, comporta-se do seguinte modo:

(1) preposição a, numa construção com grupo nominal (sujeito) + verbo + grupo nominal (complemento direto) + grupo preposicional (complemento indireto)

–  «tornar obrigatório ou necessário» – ex.: «o conselho disciplinar impusera ao jogador uma pena pesada»;

–  «fazer sentir» – ex.: «o ar da professora impõe respeito aos alunos»;

–  «imputar» – ex.: «o arguido tentava impor a responsabilidade ao cúmplice».

(2) preposição a, numa construção com grupo nominal (sujeito) + verbo + frase finita (complemento direto)  + grupo preposicional (complemento indireto)

–  «tornar obrigatório ou necessário» – ex.: «o tribunal impôs

Pergunta:

Manche (alavanca cujos movimentos controlam a subida, a descida ou o equilíbrio lateral de uma aeronave) é masculino ou feminino? Obrigada!

Resposta:

Manche é um substantivo feminino nos dicionários elaborados em Portugal, mas é do género masculino em dicionários brasileiros.

O substantivo tem origem no francês manche e, nesta língua, com o significado indicado pela consulente, é nome do género masculino.

É de notar que o Dicionário Houaiss apresenta manche como um estrangeirismo, assinalado a itálico, conservando, portanto, as características originais. Outros dicionários elaborados ou atualizados no Brasil – Aulete e Michaelis – apresentam a palavra em redondo, manche, como se fosse um vocábulo do português e atribuem-lhe o género masculino, que já vem do francês. No entanto, em dicionários publicados em Portugal, manche é nome feminino, como se pode confirmar na Infopédia, PriberamDicionário da Língua Portuguesa, assim como no Portal da Língua Portuguesa.

Sendo a palavra manche, em francês, consistente com as normas de escrita do português, torna-se desnecessária qualquer modificação para a integrar no sistema ortográfico da língua, ao contrário, por exemplo, do que sucedeu com abat-jour, que em português se...

Pergunta:

Tenho visto, mesmo em muito jornais portugueses de referência, a expressão «pegar fogo» em vez de incendiar.

Sei que é uma expressão muito utilizada no português do Brasil, mas é correta?

Deixo o exemplo do título de uma notícia do Jornal Expresso «Três mulheres lésbicas morrem queimadas após homem pegar fogo a quarto onde viviam». Não seria após homem incendiar quarto onde viviam?

Agradeço desde já a disponibilidade

Resposta:

A locução «pegar fogo» pode ser mais comum no discurso do português do Brasil, contudo, ela não é exclusiva dessa variedade da língua, tanto que os dicionários assim não o registam e muitos meios de comunicação portugueses a utilizam, assim como é recurso no acordão do Supremo Tribunal Administrativo, aqui, e na literatura (1), por exemplo:

(1) «– Vai lá amanhã, se ninguém responder, escala as janelas, pega fogo ao prédio, como se fossem apenas as Tulherias» (Queirós, Eça. Os Maias, in Corpus do Português).

Portanto, não a podemos considerar incorreta. Ainda assim, claro, a locução tem como sinónimos incendiar ou «atear fogo». Por essa razão, o título da notícia também poderia ser: «Três mulheres lésbicas morrem queimadas após homem incendiar a quarto onde viviam» ou «Três mulheres lésbicas morreram queimadas após homem atear fogo a quarto onde viviam».

Note-se, ainda, que em português do Brasil a locução pode ainda significar, em contexto informal: «estar com febre alta; animar-se, entusiasmar-se, vibrar de animação; zangar-se, irritar-se» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Recentemente tive esta dúvida ao rever um texto.

Deve haver vírgula na frase «Voluntários procuram-se!»?

Comecei por (instintivamente) achar que sim, mas depois achei que estava a olhar para os voluntários como um vocativo, que não são.

Muito obrigada.

Resposta:

Não deve ser colocada vírgula.

«Voluntários procuram-se» trata-se de uma oração passiva pronominal (ou reflexa) e, nestes casos, o argumento interno direto, i. e., «voluntários», tem a função de sujeito, já «procuram-se» tem a função de predicado. Ora, uma vez que o sujeito não se separa do predicado por vírgula, não a devemos utilizar neste caso. 

O fenómeno <i>hikikomori</i>
Um estrangeirismo japonês na língua portuguesa

Qual a melhor forma de nos referirmos ao fenómeno hikikomori em português, considerando a globalização do mesmo e a importância de se manter a precisão conceitual? A esta questão responde a consultora Sara Mourato, num texto que aborda o fenómeno que afeta a saúde mental que ultrapassou as fronteiras do Japão.