Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se, na comparação, é possível o uso de «mais/menos que» ou somente os seguintes vocábulos: «como», «tal/tais que», «feito».

Desde já, agradeço a atenção dispensada à minha mensagem.

Resposta:

Como refere a consulente, a comparação pode ser feita através do uso das conjunções como, feito e qual e da locução tal como, mas como figura retórica ou de estilo.

Note-se que a comparação retórica não coincide com o grau comparativo (categoria gramatical) dos adjetivos – comparativo de superioridade, de inferioridade e de igualdade. O grau comparativo é uma categoria gramatical, que, em construções com «mais/menos [...] que/do que» ou «tão [...] como/quanto/quão», envolve adjetivos e advérbios. A comparação exemplificada pela consulente, por seu lado, é uma figura de retórica e envolve frequentemente orações: «seus olhos são (verdes) como duas esmeraldas (são)».

O grau comparativo é expresso por meios sintáticos, «nomeadamente por locuções adverbiais descontínuas, nas quais o primeiro elemento é um advérbio (mais, menostão [...]) e o segundo consiste ou na locução "do que" ou na forma simples que (nos comparativos  de superioridade e inferioridade)), ou ainda num dos advérbios como, quanto ou quão no comparativo de igualdade)» (Fundação Calouste Gulbenkian, Gramática do Português, pág. 1427 e 1428). Por isso, a resposta à questão é sim, é possível o uso das locuções «mais/menos [...] que/do que» quando se faz uma comparação:

(1) «Este carro é mais caro do que/que aquele barco.» – comparativo de superioridade;

(2) «Este carro é menos caro do que/que aquele barco.» – comparativo de inferioridade.

Ainda, no grau comparativo de igualdade, podemos ter: 

(3) «Este carro é tão

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra infodemia existe no plural, ou se já supõe um coletivo.

Obrigada!

Resposta:

Comecemos por analisar a formação do substantivo feminino infodemia.

Tem este origem no inglês infodemic, constituído por uma amálgama, i.e., trata-se de uma unidade lexical formada a partir da fusão de duas ou mais unidades lexicais truncadas, as quais, neste caso, correspondem a informação + epidemia (information + epidemic). Repare-se que a última unidade lexical, [epi]demia é um substantivo feminino passível de ser pluralizado, razão por que infodemia também o seja: infodemias. Observe-se, ainda, que infodemia, como epidemia, não é um substantivo coletivo, porque designa não um conjunto formado por seres ou entes individualizados, mas, sim, uma situação com grande impacto demográfico.

Olhando para o siginificado deste substantivo – «quantidade excessiva de informação cuja idoneidade da fonte é difícil de verificar, dada a sua rápida disseminação e longo alcance; excesso de informação divulgada pelos meios de comunicação, muitas vezes não fidedigna» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa) –, pode parecer pouco natural afirmar-se «o perigo das infodemias». De facto, o mais natural, e correto também, seria «o perigo da infodemia».

Contudo, assumindo que falamos de excesso de informações divergentes no seu conteúdo ou área, por exemplo, não há como não pluralizar o substantivo. Por exemplo, se os meios de comunicação divulgarem excesso de informação, por um lado, acerca de casos de corrupção no futebol e, por outro...

Não é <i>big</i>, é «o maior»
A interferência do inglês na língua portuguesa

A escolha linguística de um adepto de futebol que, ao elogiar o treinador do Sporting Clube de Portugal, utiliza big em vez do equivalente português maior, é o mote deste texto onde se aborda a crescente interferência do inglês no discurso diário. Um apontamento da consultora Sara Mourato.

 

Pergunta:

Tive a seguinte dúvida: qual é o substantivo mais adequado, postergação ou postergamento?

Verifiquei que as duas formas estão registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, mas gostaria de saber qual forma é a mais adequada. No mais, qual é a diferença semântica entre os dois sufixos?

Desde já, agradeço.

Resposta:

Não há como afirmar qual da formas a mais correta, postergação ou postergamento, uma vez que ambas estão corretas, porque são coerentes do ponto  de vista da derivação de palavras. Ainda assim, parece ter uso mais corrente o substantivo feminino, terminado com o sufixo -ção, uma vez que o derivado postergação predomina sobre postergamento numa pesquisa Google. 

Relativamente à diferença semântica entre os dois sufixos, neste caso, é nenhuma, i. e., os referidos sufixos formam substantivos a partir de verbos que têm, entre vários sentidos, o de «ação ou resultado dela» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 99).  Distinguem-se, quando -mento  tem o sentido de «instrumento da ação» (como ornamento instrumento) e «noção coletiva» (como armamento fardamento) (ibidem).

Pergunta:

Li uma explicação vossa acerca da palavra chance. De facto, segundo Napoleão Mendes de Almeida, temos a palavra oportunidade. No entanto, perguntava se chance ainda é considerado um estrangeirismo ou se estabilizou linguísticamente o suficiente para incorporar o nosso léxico?

Cordialmente.

Resposta:

Pode afirmar-se que se trata de um estrangeirismo, como nota o Portal da Língua Portuguesa. De facto, a palavra chance é um galicismo que passou a ter uso na língua portuguesa no século XV.

Contudo, talvez o facto de não ter existido qualquer adaptação gráfica (como por exemplo sucedeu com abat-jour, que em português se grafa abajur), uma vez que chance, em francês, é consistente com as normas de escrita do português, tornando desnecessária qualquer modificação para se integrar no sistema ortográfico da língua, tenha levado a que deixasse de ter o tratamento dado aos estrangeirismos e, pela mesma razão, se estabilizasse linguisticamente o suficiente para incorporar o nosso léxico. Note-se, por exemplo, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras já não faz referência ao vocábulo como sendo estrangeiro. Também o Dicionário da Lingua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa e o Priberam já não lhe dão o tratamento que se dá aos estrangeirimos (software, por exemplo, encontra-se em itálico).