Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Sou de Taiwan»? Ou «sou do Taiwan»?

Obrigada.

Resposta:

Apesar de a lista de nomes de países antecedidos por artigo definido ser mais extensa do que a lista que compõem os nomes de países sem artigo, Taiwan faz parte desta segunda lista. Assim, o correto é afirmar-se «sou de Taiwan», assim como «sou de Portugal», «de Marrocos», «de Cabo Verde», «de Cuba», etc. Não havendo uma regra clara que defina a razão de certos nomes de países serem antecedidos de artigo definido e outros não, é sempre preferível ter-se presentes as diferentes listas.

De referir, ainda, que o nome português tradicional dado à ilha é Formosa que, contrariamente a Taiwan, é antecedido de artigo: «a Formosa». No entanto, o uso e artigo definido no topónimo português não valida o uso do artigo no topónimo Taiwan, que é hoje o mais comum, pelo menos para referir o país*. 

 

* Taiwan é o nome fixado pela Lista dos Estados, territórios e moedas (versão de 28/11/2018) do Código de Redação para uso do português no âmbito da União Europeia.

Pergunta:

Gostaria de saber, no âmbito da regência do particípio passado ou adjetivo fascinado, como se deve dizer: «estou fascinado com ela», ou «estou fascinado por ela»?

Estão as duas formas de expressão corretas ou estão ambas erradas?

Desde já, muito obrigado pela atenção.

Resposta:

Ambas as construções são aceitáveis – «fascinado com» e «fascinado por» – e são empregadas com o mesmo sentido: «ficou fascinado com a formosura da jovem» e «fascinada pela soberania do homem, pelas reminiscências daquele tipo [...]»  (Fernandes, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. São Paulo: Globo, 2005).

Vejam-se também dois exemplos retirados de obras do século XIX :

(1) «Quando, no albor da vida, fascinado com tanta luz e brilho e pompa e gatas[...]» (Gonçalves Dias em Primeiros Cantos)

(2) «[...] veio distrair a atenção do trovador que, fascinando por aquele olhar maldito da polé, não despregava dela a vista» (Alexandre Herculano em O Bobo).

Pergunta:

Como se diz [em espanhol] terna em português? Ou seja, o conjunto de três candidatos para realizar um trabalho. Existe o conceito?

Resposta:

Os termos utilizados para nos referirmos a um grupo de três elementos, em qualquer variante da língua portuguesa, são trio ou terno: «um trio de jogadores muito influentes» ou «um terno de jogadores muito influentes»No entanto, refira-se que no português do Brasil o substantivo terno pode também referir-se ao «traje masculino composto por casaco, calça e, às vezes, colete, do mesmo tecido e da mesma cor» (Dicionário da Porto Editora, em linha), aquilo que em Portugal seria um fato. 

* Em espanhol, os substantivos utilizados em referência a trio ou terno são terna, como o consulente refere, ou trío

Pergunta:

Posso usar «muito perfeccionista» ou «pouco perfeccionista»? Me parece estranho o uso de advérbios com a palavra perfeccionismo.

Resposta:

Os advérbios de quantidade e grau, como  acontece com muito pouco, podem ocorrer como modificadores de grupos adjetivais, reforçando o sentido da palavra que antecedem. No exemplo apresentado, estamos perante um adjetivo, perfecionista1, antecedido de um advérbio que intensifica/reforça o significado do mesmo. Assim, afirmar que «o João é muito/pouco perfecionista» está perfeitamente correto. A dúvida, aqui, talvez se prenda com o facto de o adjetivo conter a ideia de perfeição e, por norma, o que é perfeito não é muito nem pouco. No entanto, o que está em causa é aferir quem deseja a perfeição – perfecionista será equivalente a «desejoso de perfeição» – e, por isso, não há redundância nem contradição ao afirmar-se «muito/pouco perfecionista» 

 

1 Depois da entrada do Acordo Ortográfico de 1990, em Portugal perfecionista passou a grafar-se também somente com um c, a par de perfeccionista, enquanto no Brasil a grafia com os cc é a única que se regista – perfeccionista

 

N. E. (19/02/2019) – Na nota 1, foi corrigida toda a sequência em que se lia o seguinte: «[...] em Portugal perfecionista passou a grafar-se somente com um c, enquanto no Brasil mantiveram-se os cc – 

Pergunta:

Não encontro no dicionário a palavra que usamos para definir a caixa de grande armazenamento de frutas, usualmente denominada de "palote" ou "paloxe".

Gostaria por isso que me informassem qual a palavra que devo usar.

Resposta:

No Dicionário Priberam, em linha, encontramos atestado o termo palote, termo com origem obscura, mas que talvez provenha do inglês pallet box. O dicionário em questão define o objeto como sendo um «recipiente grande, padronizado, geralmente de plástico ou madeira, usado para empilhar e transportar materiais, que pode ser movimentado por uma empilhadora». Também o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa regista o termo.

Quanto a "paloxe" (pronunciado "palokse"), o único registo encontrado refere-se a uma marca britânica de palotes, Paloxe, aparentemente criado com base já referida expressão inglesa pallet box. Resta-nos concluir que, à semelhança de outros casos, como gilete, talvez se utilize a marca para definir o objeto que, no entanto, se designa palote de modo mais geral, como sugere a sistemática ocorrência deste último termo em textos com algum grau de formalidade ou especialização (cf. Alexandra Couto Reis, Criação de um Grupo de Produtores de Azeitona para a INDAGROP, tese de mestrado, IPAM, 2017).

Acrescente-se que palote é a forma de outra palavra, com significado muito distinto: trata-se de um sinónimo de paulito, na aceção de «pau pequeno usado em certas danças regionais do norte de Portugal, que dele tomam o nome» (José Pedro Machado,