Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Deve dizer sempre «cancro da mama», e nunca «de mama»? Este último está sumamente errado?

Compreende-se que da é a contratação de de+a, mas então o artigo definido é imprescindível?

Obrigada.

Resposta:

É prática comum o uso do artigo definido quando nos referimos ao cancros que afetam os diferentes órgãos: «cancro da mama», «cancro do pâncreas», «cancro do pulmão», etc. Tal uso está consagrado na página da Liga Portuguesa contra o Cancro.

Contudo, podemos verificar que entre os profissionais de saúde não há acordo, pois também há registos de «cancro de mama» sem o artigo, como é o caso da Fundação Champalimaud, que atesta esta forma. Concluímos assim que ambas as formas estão corretas, no entanto prevalece o uso do artigo em «cancro da mama». 

Refira-se que, no Brasil, onde em vez de cancro se diz câncer, há variação no uso do artigo definido com o termo referente ao órgão afetado. É a conclusão que se tira pela consulta do sítio eletrónico do Ministério da Saúde brasileiro: «câncer de mama», «câncer de pâncreas» (sem artigo definido), mas «câncer da bexiga», «câncer do pulmão» (com artigo definido) – ainda que sejam mais frequentes «câncer de bexiga» e «câncer de pulmão» noutras páginas eletrónicas identificadas como brasileiras.

Pergunta:

Em conversa com uma amiga surgiu a seguinte dúvida: é correcto[*] utilizar a preposição de após o verbo ser, seguida da locução prepositiva «cerca de»?

Vejam-se os exemplos seguintes: 1- «O tempo de espera é de cerca de 30 minutos»; 2- «A média da turma é de cerca de 14 valores.»

Grata pelo esclarecimento.

 

[* N. E. –Manteve-se a grafia correcto, anterior à norma ortográfica em vigor, no quadro da qual se deve escrever correto.]

Resposta:

O uso do verbo ser com a preposição de e a locução cerca de é perfeitamente aceite. Por outro lado, a supressão da preposição de também é aceite. Semanticamente, existe uma ligeira diferença; veja-se:

(1) «O tempo de espera é de cerca de 30 minutos»

(2) «O tempo de espera é cerca de 30 minutos»

Em (1) o grupo preposicional ocorre como predicativo do sujeito e equivale a um adjetivo: assim como o tempo de espera pode ser breve ou longo, também, sobre ele, se pode predicar que «é de cerca de 30 minutos». Em (2) temos um grupo nominal – trata-se, portanto, do uso com a supressão da preposição – que identifica o tempo de espera com um intervalo de 30 minutos. 

Pergunta:

Relativamente ao verbo restringir, consultei a vossa resposta em 16/04/2004, mas não fiquei esclarecida.

Restrito é exclusivamente um adjetivo? Ou seja, dizer algo como «o acesso foi temporariamente restrito» está errado?

Muito obrigado e cumprimentos.

Resposta:

O vocábulo restrito tem preferencialmente uso adjetival.

Como se pode constatar na pergunta citada pela consulente, o verbo restringir teria duplo particípio passado, restringido e restrito, que se usariam com diferentes verbos auxiliares: ter/haver restringido, ser/estar restrito. À semelhança de outros verbos, a forma irregular, mais curta, é também usada como adjetivo.  Isto é, além de se usar nos tempos compostos e nas orações passivas, podemos inseri-la numa terceira categoria (recategorizá-la), a dos adjetivos, e usá-la como tal – «acesso restrito».

Importa assinalar, porém, que, como João Antunes Lopes afirma, «por vezes, esta forma [irregular] funciona como simples nome ou adjetivo, tornando-se difícil a determinação rigorosa do seu emprego e existência como particípio» (Lopes, João Antunes. Dicionário de Verbos Conjugados. Livraria Almedina: Coimbra, 4.ª ed. p. 423). Acerca de formas como correto ou inquieto, Rita Veloso afirma também que «para a maioria dos falantes [...] estas formas curtas têm unicamente propriedades adjetivais, visto que não podem ser usadas em contextos onde predomina a natureza verbal do particípio – ou seja nos tempos compostos e nas orações passivas. Podemos, portanto, supor que estão em vias de recategorização como adjetivos [...]» (

Pergunta:

Tenho uma dúvida suscitada por um amigo meu brasileiro.

Esse meu amigo referiu há uns dias que, no Brasil, a frase «estou fascinado pelo arco-íris» é considerada pouco apropriada para um texto erudito. Isto por muitos escritores brasileiros considerarem que a contração pelo, que é resultado da aglutinação da antiga preposição per com o artigo ou pronome lo ou resultado da aglutinação de por e o, é informal e deve ser substituída por «por o», ficando: «Estou fascinado por o arco-íris.»

Eu, que sou português, pergunto agora se aqui em Portugal se segue similar ideia. O que será mais conveniente para um texto erudito do português europeu?

«Estou fascinado pelo arco-íris», ou «Estou fascinado por o arco-íris»?

Desde já agradeço a atenção dispensada.

Resposta:

Em Portugal, se o grupo nominal – o arco-íris – não tiver função sintática noutra oração, então dá-se a contração da preposição com o artigo: «estou fascinada pelo arco-íris». No entanto, se o grupo nominal tiver função sintática noutra oração, como por exemplo «estou fascinado por o arco-íris ter tantas cores», em que o grupo nominal se insere na oração infinitiva, não se dá a contração da preposição com o artigo.

O mesmo acontece no português do Brasil. Veja-se, por exemplo, o que diz Celso Cunha: «Quando a preposição que precede  o artigo está relacionada com o verbo, e não com  substantivo que o artigo introduz, os dois elementos ficam separados [por o]» (Gramática do Português Contemporâneo. Editora Bernardo Alvares S. A.: Belo horizonte, 1970, p. 146). O mesmo autor afirma que « antiga preposição per contraía-se com lo(s), la(s), formas primitivas do artigo definido, produzindo pelo(s), pela(s). Essas contrações ainda hoje se usam em lugar de por o(s), por a(s)» (idem).

A regra aplica-se, portanto, tanto em Portugal como no Brasil e até mesmo nos restantes países de língua portuguesa.

Pergunta:

Na seguinte frase o uso de preposição a ou em antes de «altas horas» é obrigatório?

«Fotos de alta qualidade até mesmo altas horas da noite.»

«Fotos de alta qualidade até mesmo a altas horas da noite.»

Pergunto, porque acreditava que a elipse da preposição era permitida e recorrente em casos nos quais a circunstância adverbial fica clara pelo contexto, mas fui informada de uma regra que diz que o uso da preposição é obrigatório para evitar ambiguidade entre tempo contínuo e um período determinado de tempo. Essa regra procede e se aplica ao contexto acima?

Resposta:

Começamos por excluir a formulação «"em" altas horas», por não estar atestada. No entanto, verifica-se o uso da locução a altas horas. 

Veja-se então o que é aceitável:

(i) se excluirmos o advérbio mesmo, podemos ter:

– Fotos de alta qualidade até altas horas da noite;

– Fotos de alta qualidade até a altas horas da noite;

– Fotos de alta qualidade a altas horas da noite;

(ii) se incluirmos mesmo, temos:

– Fotos de alta qualidade mesmo até a altas horas da noite;

– Fotos de alta qualidade mesmo até altas horas da noite;

– Fotos de alta qualidade mesmo a altas horas da noite;

(iii) por fim, com a locução até mesmo1, aceita-se:

– Fotos de alta qualidade até mesmo a altas horas da noite. [neste caso, até é advérbio, e não preposição]

Ao...