Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Parece-me que, nas orações «Atolei-me no barro» e «Afundei-me no mar», o «me» é parte integrante dos verbos, enquanto «no barro» e «no mar» são adjuntos adverbiais de lugar. Minha análise está correta?

Resposta:

Na frase «Atolei-me no barro», o pronome pessoal reflexo me é, de facto, parte integrante do verbo, pois atolar-se é um verbo pronominal. Por sua vez, a expressão «no barro» não é um adjunto adverbial, mas sim um complemento preposicional, regido por esse verbo (atolei-me onde?).

Quanto à frase «Afundei-me no mar», o pronome me não é parte integrante do verbo, pois afundar, para além de verbo pronominal reflexo, é também um verbo transitivo, podendo ocorrer sem um pronome reflexo, por exemplo: «afundei o pé na poça de água». A expressão «no mar» é também um complemento preposicional, pois, ainda que não pareça incorrecto dizer apenas «afundei-me», aquele constituinte de lugar é um argumento do verbo afundar.

Disponha sempre!

Pergunta:

A minha dúvida prende-se com a expressão «desde há 8 anos». Fará sentido usar-se desde seguido de ?

Na resposta 6820, explicam aquela expressão como algo semelhante a «decorreram». Não seria essa a resposta para «há 8 anos» (sem o desde)?

Resumindo, usando-se desde, fico sempre com a dúvida se posso usar .

Obrigado.

Resposta:

Desde e não podem coocorrer, uma vez que exprimem valores semânticos diferentes. Ora vejamos:

A preposição desde tem um valor durativo, indicando o início de um período. Por exemplo:

(1) «Eles estão casados desde 2000

(2) «Ela não vai ao ginásio desde Abril

A forma verbal , por sua vez, é um localizador temporal. Embora meça o intervalo de tempo decorrente até ao momento de enunciação, localiza temporalmente a acção expressa pelo verbo. Por exemplo:

(3) «Estão casados há oito anos

(4) «Ela não vai ao ginásio há 6 meses

Um forte argumento a favor das características enunciadas é o facto de não poder coocorrer com verbos durativos, nem desde poder coocorrer com verbos com valor pontual:

(5) ?? «O João trabalhou há 10 minutos.»

(6) ?? «O bebé da Maria nasceu desde Abril.»

Portanto, usamos desde para indicar o começo de um período e usamos para localizar um período, não sendo, por isso, possível a sua coocorrência.

Disponha sempre! 

N. E. (15/09/2016) – É discutível considerar que desde e são incompatíveis. A associação das duas palavras corre o risco de ser redundante, p...

Pergunta:

Qual a diferença das orações relativas, em relação às integrantes completivas?

Obrigada.

Resposta:

As orações relativas confundem-se muitas vezes com as completivas nominais, uma vez que o articulador é aparentemente igual — o morfema que, antecedido de um nome.

Há, contudo, algumas diferenças que nos permitem distingui-las sem hesitação. Comecemos por observar as seguintes frases:

(1) «A mulher apanhou as crianças que tocaram à campainha

(2) «A mulher tem a certeza de que tocaram à campainha

A oração sublinhada na frase (1) é uma oração subordinada relativa restritiva, ao passo que a oração sublinhada na frase (2) é uma subordinada completiva nominal.

Eis as principais diferenças entre as relativas e as completivas nominais:

— A relativa é introduzida por um pronome relativo — que (ou quem ou o/a qual, os/as quais);

A completiva é introduzida por uma conjunção integrante — que (ou se) e completa o sentido de um nome, daí também a designação integrante (integra algo).

— O morfema que que introduz a relativa desempenha uma função sintáctica, é quase sempre antecedido de um nome ou grupo nominal [+ concreto] e pode ser substituído por o/a qual, os/as quais (ex.: «A mulher apanhou as crianças as quais tocaram à campainha»);

O morfema que que introduz a completiva não desempenha nenhuma função sintáctica, é quase sempre antecedido de um nome ou grupo nominal [+ abstracto] e não pode ser substituído por

Pergunta:

Qual a função sintáctica de «vinte e cinco anos» na frase «Passaram-se vinte e cinco anos»?

Resposta:

A expressão «vinte e cinco anos» tem a função sintáctica de sujeito. Há duas formas de identificar o constituinte que numa frase desempenha essa função:

1. O sujeito é o constituinte que desencadeia a concordância verbal: «Passou-se um ano/passaram-se cinco anos.»

2. O sujeito é a expressão que pode ser substituída pela forma nominativa do pronome pessoal (eu, tu, ele, nós, vós, eles) ou pelo pronome demonstrativo isso (no caso de ser uma frase): «Eles passaram-se.»

Pergunta:

Ultimamente as paradas de ônibus, aqui, em Brasília, apresentam uma propaganda de duas escolas de ensino superior cuja redação me intriga: «XXXX (nomes das Escolas) vencedoras profissionais do ano pela XXX (nome da empresa que contemplou). A gente não está cabendo em si.»

Minha dúvida: está correta a última frase? «A GENTE não está cabendo em SI»?

Muito obrigada pela gentileza da resposta.

Resposta:

O verbo caber é usado muitas vezes na expressão «não caber em si de...», por exemplo na frase: «As crianças não cabiam em si de contentes!»

A frase que a consulente apresenta está, muito provavelmente, incompleta, pois o constituinte preposicional está omisso: «a gente não está cabendo em si» de quê?