Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Consultando o dicionário de regência, percebi que o verbo residir pede um predicativo locativo. Gostaria de saber se posso considerá-lo como um adjunto adverbial... Pergunto isto pois não sei se posso usar a vírgula depois de Vargas na oração abaixo:

«Quem gostou da notícia da pavimentação foi o morador Alexandro Sidney Kmiecik, que reside na Getúlio Vargas, há quatro anos.»

Se for considerado um adjunto adverbial, acredito que sim, por serem dois adjuntos na sequência, mas, se for visto como um complemento do verbo, não.

Podem me esclarecer? Obrigada!

Resposta:

O complemento do verbo residir é apenas o locativo «na Getúlio Vargas», pois é obrigatório à interpretação desse verbo («residir onde?»).

Por sua vez, a expressão «há quatro anos» é um adjunto adverbial, pois tem um valor opcional na frase (a sua omissão não gera agramaticalidade).

Todos os constituintes de uma frase que não são obrigatórios podem ser separados por vírgula, pelo que o adjunto adverbial «há quatro anos» pode ser separado por vírgulas: «Reside, há quatro anos, na G. V.» ou «Reside na G. V., há quatro anos».

 

Pergunta:

Na frase «Ele dedica-se (entrega-se) ao trabalho», «ao trabalho» é complemento indireto, ou complemento oblíquo? Porquê?

Resposta:

Na frase «ele dedica-se ao trabalho», o sintagma preposicional «ao trabalho» é complemento indireto, porque é substituível pela forma dativa do pronome pessoal (lhe)1:

(a) «Ele dedica-se-lhe

À semelhança do que acontece nas estruturas em que o verbo dedicar é acompanhado de um grupo nominal complemento direto:

(b) «Ele dedica o livro ao avô.»

(c) «Ele dedica-lhe o livro.»

Esta análise é também confirmada por Celso Pedro Luft (Dicionário Prático de Regência Verbal, São Paulo Editora Ática, 2003): «TDpI [= transitivo direto pronominal e indireto]: dedicar-se a... Devotar-se a; sacrificar-se; dar-se: Dedicar-se a uma pessoa.// Aplicar-se; entregar-se; consagrar-se: O mestre se dedica à educação da juventude. dedicar-se a uma causa, profissão, etc.» No Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (Lisboa, Texto Editora, 2007, coordenado por J. Malaca Casteleiro), também o complemento preposicionado por a pode referir-se quer a coisas ou abstrações quer a pessoas: «Pron[ominal] [GNsuj V -se GP (a) [C.indir.]] <entregar-se> Desde os cinco anos que ele se dedica à música. O pai sempre se dedicara pouco à família.»

Pergunta:

Bem, uma oração tem tirado meu sono!

Vamos à oração:

1) «Vai demorar um pouco para mim ser profissional», ou «Vai demorar um pouco para eu ser profissional»?

2) «Vai demorar que eu seja profissional» é equivalente à última?

3) Na oração 1 o verbo é impessoal?

4) A regência culta pede preposição a? O para é incorreto?

Resposta:

Respondo a cada questão pela ordem apresentada:

1) A única estrutura correta é «Vai demorar um pouco para eu ser profissional». O sujeito da oração infinitiva «para eu ser profissional» deve ter o caso nominativo, pelo que só é legítimo o uso do pronome pessoal eu.

2) Uma frase equivalente à anterior seria: «Vai demorar para que eu seja profissional.»

3) Não, o sujeito do predicado «vai demorar» é toda a oração completiva «para eu ser profissional»: «Isso vai demorar.»

4) O uso de para é correto.

Disponha sempre! 

N. E. (3/2/2017) – O verbo demorar pode selecionar uma oração de infinitivo, facultativamente introduzido pela preposição a, se o verbo ocorrer na 3.ª pessoa do singular: «Demorou (a) ser profissional». Se o verbo aparece noutras pessoas verbais, é obrigatória a preposição: «Demorei/demorámos a ser profissional/profissionais.» Também é possível a preposição para, uso que tende a ser identificado com o português do Brasil, mas que surge igualmente no português de Portugal. Ambas as preposições estão corretas.

Pergunta:

Nas expressões «a complexidade do assunto» e «a beleza de ser humano», qual a classificação sintática dos termos destacados?

Obrigado.

Resposta:

As expressões «do assunto» e «de ser humano» desempenham a função sintática de complemento nominal.

O sintagma preposicional «do assunto» é complemento do nome «complexidade», e o sintagma preposicional «de ser humano» é complemento do nome «beleza».

Se não houver um contexto sintático, esses nomes não são por si só interpretáveis: complexidade de quê ou de quem? Beleza de quê ou de quem? Precisam, portanto, de um complemento que lhes confira um significado linguístico.

Pergunta:

Utilizar o possessivo depois do nome num contexto que não é exclamativo, por exemplo, «não durmo na casa minha»: está totalmente errado, ou pode-se usar, apesar de pouco usual?

Resposta:

Não se considera correta a posição do possessivo na frase apresentada, aceitando-se apenas a estrutura: «não durmo na minha casa».

O uso do possessivo em posição pós-nominal só é legítimo quando temos um valor mais genérico:

(a) «Filho meu nunca dormiria fora de casa sem me avisar.»

(b) «Que amigos teus convidaste para a festa?»