Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Peço, por favor, que me digam quais as funções sintáticas desempenhadas pelas palavras -se e «ao lugar» na seguinte frase:

«A Carolina candidatou-se ao lugar.»

Obrigada!

Resposta:

O morfema se não desempenha nenhuma função sintática, uma vez que é uma partícula inerente ao verbo. Trata-se do verbo pronominal candidatar-se (à semelhança do que sucede com os verbos arrepender-se, comprometer-se, queixar-se).

O grupo preposicional «ao lugar» desempenha a função sintática de complemento oblíquo.

 

Pergunta:

Qual o signifiado exato do verbo importar (ou será "importar-se"?) na frase seguinte: «Importava-se de me dizer onde fica ...»? Que função tem o pronome se? É sujeito? O verbo importar é pronominal? O verbo, em contextos como o do exemplo dado, tem de ser sempre acompanhado da preposição de, tal como o «gostar de»?

Obrigada.

Resposta:

Na frase que apresenta, o verbo importar-se é pronominal e tem o significado de «incomodar-se». O pronome se não desempenha nenhuma função sintática, uma vez que é inerente ao verbo (à semelhança do que acontece com verbos como queixar-se, arrepender-se).

O verbo importar-se é acompanhado da preposição de sempre que antecede um verbo:

(a) «Importa-se de fechar a porta?»

Quando antecede uma oração completiva, não deve ser acompanhado por preposição:

(b) «Importa-se que o trate por tu?»

 

Pergunta:

«A Maria ficou em casa sozinha.»

Quais as respetivas funções sintáticas de «em casa» e «sozinha», se, em «a Maria ficou em casa», «em casa» é predicativo do sujeito e se, em «a Maria ficou sozinha», «sozinha» é predicativo do sujeito?

Resposta:

Sim, pode dizer-se que estamos perante dois predicativos do sujeito: um predicativo de natureza adjetival – «sozinha» – que atribui um estado ao sujeito; outro predicativo de natureza preposicional – «em casa» –, que atribui uma localização espacial ao sujeito.

Existem predicativos do sujeito obrigatórios, que ocorrem com verbos copulativos:

(a) «O João é médico

(b) «O João está sozinho.»

(c) «O João está em Paris

(d) «A reunião é hoje.»

E existem predicativos opcionais, que ocorrem com verbos intransitivos ou transitivos:

(e) «Os gatinhos miam inquietos

(f) «As crianças viram o filme satisfeitas

Pergunta:

Na frase «No fundo do largo da igreja ficava o circo», qual é o sujeito e o predicado? E como se justifica a análise?

Obrigada.

Resposta:

A análise sintática da frase é a seguinte:

SN sujeito – «O circo»

SV predicado – «ficava no fundo do largo da igreja»

SP – predicativo do sujeito – «no fundo do largo da igreja»

O sujeito de uma frase é a expressão nominal (ou oracional) que desencadeia a concordância com o verbo. Repare-se que «o circo» é a única expressão nominal da frase e, se estivesse no plural, o verbo estaria obrigatoriamente no plural:

(a) «Os circos ficavam no fundo do largo da igreja»

Disponha sempre!

Pergunta:

É mais correto dizer-se «Já tenho problemas que cheguem», ou «Já tenho problemas que chegue»? Ouço frequentemente as duas formas, mas a segunda parece-me a mais correta, pois penso que o verbo chegar está aqui numa construção impessoal. E será «Já basta/bastam os problemas que tenho» um exemplo análogo da mesma regra?

Desde já, bem hajam.

Resposta:

A estrutura correta é: «Já tenho problemas que cheguem.»

O verbo chegar deverá estar no plural em concordância com o seu sujeito, que é o pronome relativo que. Este pronome tem como antecedente o nome problemas, que se encontra no plural.

Se, em vez da oração relativa, tivéssemos um adjetivo, o mesmo estaria igualmente no plural, em concordância com o nome que modifica:

«Já tenho problemas suficientes

Do mesmo modo, aconselha-se o uso do plural na construção «Já bastam os problemas que tenho».

N. E. – Sobre este uso do verbo chegar, um consulente levantou dúvidas com base numa análise alternativa do professor Fernando Venâncio (ver página ne Facebook), segundo a qual «que chegue» tem valor adverbial, o que dispensa a concordância. Segue-se um breve comentário da autora da resposta:

Mantenho a minha convicção de que a construção correta é: «já tenho problemas que cheguem», com base na seguinte fundamentação:

1. A hipótese da cristalização só é válida quando a expressão «que chegue» modifica verbos, uma vez que aí a palavra «que» não é um pronome relativo:

a)   Já dormimos que chegue. (*que cheguem)

(b)   As crianças comeram que chegue. (*que cheguem)