Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Se a letra w pertence ao alfabeto gótico, se a maioria das línguas a lê com o seu valor original "v", por que razão agora em Portugal se usa como valor o "u", som que petence a uma das excepções, dantes chamava-se duplo v e tinha o som de "v". Já ouvi pronunciar o nome do pintor francês Watteau como "Uotau" e o dos Wagner que imigraram para os Estados Unidos como "Uogner", etc. O inglês, o wallon (língua já mais que moribunda) e o espanhol, a meu ver, são excepções e não a regra.

Resposta:

«W (dâblio ou duplo vê ou vê dobrado) (grego w, última letra minúscula do alfabeto grego), s. m.1. Vigésima terceira letra do alfabeto português, quando incluídos o K, W e Y, empregue geralmente em palavras estrangeiras (ex.: waffle), em termos técnicos de uso internacional (ex.: watt), em abreviaturas e símbolos (ex.: W, símbolo de oeste) e em palavras derivadas eruditamente de nomes próprios estrangeiros (ex.: darwinismo [de Darwin], newtoniano [de Newton], wilsónia [de Wilson], etc.). 2. Letra que, em palavras derivadas do alemão, representa a consoante fricativa labiodental sonora (ex.: wagneriano); nas derivadas do inglês ou do holandês, representa a semivogal labiovelar (ex.: web, whist)» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

O Dicionário Eletrônico Houaiss (2009) acrescenta ainda a seguinte nota a propósito do uso da letra w: «empregue em casos especiais no português em terminologias estrangeiras (...), de línguas asiáticas e outras (p. ex., wu), ou etnônimos brasílicos (p. ex., Witoto).»

Trata-se, portanto, genericamente falando, de uma letra presente sobretudo em palavras originárias das línguas germânicas (isto é, o inglês, o alemão e o neerlandês), sendo que a sua pronúncia, em português, dependerá sempre da pronúncia dos respectivos países de origem das referidas palavras.  

Será também importante referir que o w, em alemão, é, de uma maneira geral, pronunciado como v, sendo que o v, na referida língua, é lido ...

Pergunta:

Palavras como percepção, decepção, concepção, recepção (entre outras) são compostas por um prefixo (per-, de-, con-, re-) e um outro elemento linguístico comum "cepção".

Pergunto se, abordado isoladamente, aquele elemento comum à formação daquelas palavras tem algum valor ou significado, e qual é. Em caso afirmativo, poderíamos então juntar-lhe outros prefixos e formar outras palavras. Por exemplo, com o sufixo in- resultaria a palavra incepção (ou "insepção"?). Neste caso, qual seria o significado desta palavra?

Obrigado.

Resposta:

O sufixo nominal -ção, do latim -tione (Novo Dicionário Aurélio), significa «acção ou o resultado dela» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 99).

Deste modo, por exemplo, percepção (do latim perceptĭo, ōnis, «compreensão, faculdade de perceber») é o «acto ou efeito de perceber», concepção (do latim conceptĭo, ōnis, «acção de conter, de abranger; concepção, ideia, noção») é o «acto ou efeito de conceber», e recepção (do latim receptìo,ónis, «acção de receber») é o «acto ou efeito de receber».

(Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss, 2009)

Posto isto, penso que se percebe agora por que razão a eventual palavra incepção não poderia ser formada através dos meios sugeridos pelo consulente, pois nem -cepção é um elemento de composição de palavras portuguesas, nem os substantivos aqui em análise são formados por prefixação (mas sim por sufixação, como vimos), sendo que o in- sugerido pelo consulente seria realmente, na proposta por ele apresentada, compatível com um prefixo de negação (ex. in + feliz). 

Resta-me confirmar que a palavra incepção não se encontra registada em nenhum dos instrumentos linguístic...

Pergunta:

Existindo a expressão «face a face» (sendo legítimo, por exemplo, falar num face a face entre x e y), como se forma o plural da expressão? Concretamente, como traduzir «un énoncé grandiose (...) de face-à-face messianiques...»?

Resposta:

A palavra face-à-face, na lingua francesa, é um nome masculino invariável, que significa «Débat, portant souvent sur un sujet politique, entre deux personnalités qui représentent des opinions, des milieux, des intérêts différents ou divergents. Un face-à-face télévisé entre deux candidats aux élections. Organiser un face-à-face et une table ronde»1 (Le Nouveau Petit Robert de la Langue Française, 2009). Por outro lado, e ainda na língua francesa, verificamos a existência da locução adverbial «face à face», significando «les faces tournées l'une vers l'autre. Il se trouva face à face avec un ancien camarade».2

Ora, tal como no francês, em português, a locução adverbial «face a face» significa «estar frente a frente» (Infopédia), «um diante do outro» (Novo Dicionário Aurélio). Já o nome "face-a-face" não se encontra registado em nenhum dos instrumentos de língua portuguesa consultados. O que existe, sim, é o substantivo invariável frente-a-frente, com um significado idêntico ao do nome francês face-à-face: «conversa, debate ou encontro entre duas pessoas, de maneira que uma fique directamente em frente à outra» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Assim, dizemos «os frente-a-frente»: «O DN sabe que Cavaco quer que a ronda de dez frente-a-frente seja uniforme» (Diário de Notícias, 10-12-2010); «Sócrates aceita dois frente-a-frente com Manuela Ferreira Leite» (Público, 19-08-2009). 

Deste modo, penso que a melhor forma de traduzir face-à-face

Pergunta:

Deparei, na Gramática para Concursos, do professor Marcelo Rosenthal, com uma questão envolvendo o uso da crase, cuja resposta me deixou em dúvida. Trata-se do exercício de número 30, pág. 360, e diz respeito a uma prova para TTN, que transcrevo na íntegra:

«30. Assinale o item que preenche corretamente as lacunas da frase: "Em virtude de investigações psicológicas _____ que me referi, nota-se crescente _____ aceitação de que é preciso pôr termo _____ indulgência e ______ inação com que temos assistido escalada da pornoviolência." (S. Pfrom)

a) à - a - à - a

b) a - à - à - à

c) a - a - a - à

d) à - à - a - a

e) a - à - a - à»

Ocorre que o gabarito, ao final da Gramática, aponta como resposta correta a letra b, mas fiquei em dúvida ao tentar resolvê-la. Gostaria de saber a opinião de vocês a respeito, cuja ajuda agradeço desde já.

Resposta:

De facto, não me parece possível enquadrar, no contexto em análise, a referida crase. Quando muito, poderíamos aceitar a seguinte formulação: «(...) nota-se crescente __a___ aceitação (...)» e nunca «nota-se crescente __à___ aceitação». Porém, ainda que assim fosse (com a, e não com à), nenhuma das soluções propostas no exercício transcrito seria viável. Teria, neste caso, de ser apresentada uma outra hipótese de solução, isto é, a - a - à - à.

Devo ainda referir que, numa rápida pesquisa que fiz via Google, reparei que o exercício transcrito pelo consulente surge bastas vezes, em diversos contextos, mas sempre com uma formulação ligeiramente diferente daquela que aqui é apresentada. Por exemplo, num teste elaborado para o Curso Preparatório para Auditores Fiscais, Técnicos, Analistas e Carreiras Afins, ministrado pelo professor Marcondes Jr., este mesmo exercício surge formulado do seguinte modo:

«(TTN) Assinale o item que preenche corretamente as lacunas da frase: "Em virtude de investigações psicológicas _____ que me referi, nota-se crescente aceitação de que é preciso pôr termo _____ indulgência e ______ inação com que temos assistido ______ escalada da pornoviolência." (S. Pfrom)

a) à - a - à - a

b) a - à - à - à

c) a - a - a - à

Pergunta:

Gostaria de saber se é possível elucidar-me quanto à subclasse das palavras silêncio e riso. Será que são nomes concretos, ou abstractos? Obrigada pela atenção.

Resposta:

Segundo a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra, «Chamam-se concretos os substantivos que designam os seres propriamente ditos, isto é, os nomes de pessoas, de lugares, de instituições, de um género, de uma espécie ou de um dos seus representantes: homem, Pedro, cidade, Lisboa, Fórum, clero, árvore, cedro, cão, Rocinante... (...) Dá-se o nome de abstractos aos substantivos que designam noções, acções, estados e qualidades (...): justiça, verdade, glória, colheita, viagem, opinião...» (1984, p. 178).

Ora, de acordo com as definições propostas, silêncio e riso classificar-se-iam como nomes abstractos (Leia-se também, a este respeito, a elucidativa resposta de Edite Prada).

Porém, no Dicionário Terminológico (DT), estes dois termos (nomes concretos e nomes abstractos) foram definitivamente eliminados, por serem considerados «inadequados [e] não corresponderem a um observável linguístico óbvio» (Revisão da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, ME, DGIDC, Janeiro de 2008, p. 6). Assim, no DT (B.3.1./Classe aberta de palavras/Nome/Classes de nomes), os nomes/substantivos encontram-se classificados da seguinte forma: nomes próprios/nomes comuns, sendo que, dentro da classe dos nomes comuns se integram os nomes contáveis e os nomes não-contáveis. Finalmente, dentro de cada uma destas duas últimas categorias referidas (contáveis e não contávei...