A palavra face-à-face, na lingua francesa, é um nome masculino invariável, que significa «Débat, portant souvent sur un sujet politique, entre deux personnalités qui représentent des opinions, des milieux, des intérêts différents ou divergents. Un face-à-face télévisé entre deux candidats aux élections. Organiser un face-à-face et une table ronde»1 (Le Nouveau Petit Robert de la Langue Française, 2009). Por outro lado, e ainda na língua francesa, verificamos a existência da locução adverbial «face à face», significando «les faces tournées l'une vers l'autre. Il se trouva face à face avec un ancien camarade».2
Ora, tal como no francês, em português, a locução adverbial «face a face» significa «estar frente a frente» (Infopédia), «um diante do outro» (Novo Dicionário Aurélio). Já o nome "face-a-face" não se encontra registado em nenhum dos instrumentos de língua portuguesa consultados. O que existe, sim, é o substantivo invariável frente-a-frente, com um significado idêntico ao do nome francês face-à-face: «conversa, debate ou encontro entre duas pessoas, de maneira que uma fique directamente em frente à outra» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Assim, dizemos «os frente-a-frente»: «O DN sabe que Cavaco quer que a ronda de dez frente-a-frente seja uniforme» (Diário de Notícias, 10-12-2010); «Sócrates aceita dois frente-a-frente com Manuela Ferreira Leite» (Público, 19-08-2009).
Deste modo, penso que a melhor forma de traduzir face-à-face, no caso concreto que nos apresenta, será frente-a-frente.
Julgo que o excerto transcrito pelo consulente é retirado do livro Ce que nous voyons, ce qui nous regarde (O que vemos, o que nos olha, São Paulo, Ed. 34, 1998), de Georges Didi-Huberman. Ainda que não tenha acesso à referida tradução, nem seja este o local mais adequado para levar a cabo traduções, tentarei apenas, dentro do possível, dar uma breve ajuda ao nosso consulente.
Ora, pelo que sei, e para que possamos ter uma perspectiva mais alargada, o excerto é o seguinte:
«(...) et ce qui nous regarde s'outrepassera dans un énoncé grandiose de vérités au-delà, d'Ailleurs hiérarchisés, de futurs paradisiaques et de face-à-face messianiques...» (Paris, Ed. Minuit, 1992).
Deste modo, arriscando uma tradução livre, e até algo descontextualizada (importa referir que a reflexão transcrita surge a propósito da arte minimalista e dos «cubos» do escultor norte-americano Tony Smith), posso propor o seguinte: «e o que nos contempla exceder-se-á num enunciado de outras verdades (situadas fora do contexto de tudo aquilo que conhecemos), de Outros Locais hierarquizados, de futuros paradisíacos e de frente-a-frente messiânicos»
1 Tradução livre: «Debate, frequentemente em torno de temas políticos, entre duas personalidades que representam opiniões, meios, interesses diferentes ou divergentes. Um frente-a-frente televisivo entre dois candidatos às eleições. Organizar um frente-a-frente e uma mesa-redonda.»
2 Tradução livre: «As faces viradas uma para a outra. Ele encontrou-se face a face com um antigo colega.»
N. E. (2/09/2015) – Com a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, e conforme a sua Base XV ("Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares"), o substantivo que em algumas fontes se escrevia frente-a-frente (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) perde os hífenes, passando a grafar-se frente a frente, conforme se regista no Vocabulário Ortográfico da Porto Editora e no Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa. Note-se que outros vocabulários ortográficos mais recentes – Vocabulário Ortográfico do Português, Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras – não registam este vocábulo, talvez porque, antes da entrada em vigor do novo acordo, a sua hifenização não era sistemática. Com efeito, tanto se reservavam frente-a-frente para o substantivo («um frente-a-frente») e frente a frente para o advérbio («encontraram-se frente a frente»), como se grafavam ambas as expressões sem hífen, situação que é atestada pelo Dicionário Lello Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa (1999), de Énio Ramalho. O Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966 e da autoria de Rebelo Gonçalves, não acolhe frente-a-frente, o que deixa supor que o seu uso como sinónimo de debate não terá começado antes dos anos 60 do século passado. Por último, diga-se que os dicionários brasileiros parecem desconhecer o substantivo frente a frente, apenas mencionando em subentrada a locução adverbial «frente a frente» (cf. edição de 2001 do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o Aurélio XXI e o Dicionário de Usos do Português do Brasil, organizado por Francisco S. Borba).