Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Alguns dicionários incluem esta expressão nas suas obras, mas, na verdade, todos os filólogos, gramáticos, linguistas e demais estudiosos da nossa língua condenam o uso de «em termos de…» por considerarem a expressão um anglicismo («in terms of…») totalmente vazia de sentido no português. O fundamento, dizem, é o de que entre as várias acepções da palavra termo, nenhuma se “encaixa” nesta expressão. Alguns, relutantemente, admitem a utilização da expressão sem a preposição de, mas sempre seguida de um adjectivo. Por exemplo, em vez de «em termos de educação», teríamos «em termos educacionais»; não compreendo, porém, como é que o uso de um adjectivo já consegue “encaixar-se” na acepção apropriada (?) de termo. De qualquer forma, pergunto, que mal haverá em atribuir-se (se for o caso) mais uma nova acepção a termo? De resto, o nosso idioma é fenomenal no que toca a homonímia. Presentemente não há jornalista, político, rádio ou televisão, ninguém (ou quase), que não use tal expressão. Não há dúvida de que se banalizou de tal maneira irreflectida, que hoje temos «em termos de…» para tudo e mais alguma coisa ― desde «em termos de abacates» a «em termos de zurros», sem esquecer coisas tão patéticas como «em termos de céu azul…». Apesar de existir na nossa língua um leque de expressões que, consoante o caso, pode facilmente dispensar o uso de «em termos de» ― «em matéria de»; «em/com relação a»; «a respeito de»; «quanto a»; «relativamente a»; «no que se refere a»; «no que toca a»; «na forma de»; «através de»; «com base em»; «de uma perspectiva de»; «do ponto de vista de»; «no domínio (de)»; «no plano (de)»; «tendo em vista»; «considerando»; «tomando-se em consideração»; «tratar-se de»; «no/num contexto (+ adjectivo)»; «no âmbito (+ adjectivo)» ...

Resposta:

O dicionário em linha da Porto Editora, Infopédia, e o Novo Dicionário Aurélio, por exemplo, acolhem a referida expressão, apresentando-a justamente como sinónimo de «no que diz respeito a»; «relativamente a».

Tendo em conta que alguns dos significados do vocábulo termo propostos pela generalidade dos dicionários de referência consultados (por exemplo, Priberam, Infopédia, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, do Círculo de Leitores, Houaiss, Koogan Larousse, Aurélio, Grande Dicionário Universal da Língua Portuguesa, da Texto Editora) são «limite», «fronteiras», «baliza», «área», julgo que será possível descortinar a validade da expressão «em termos de», no sentido aqui proposto1, pois, se filtrarmos um pouco mais a nossa análise, no fundo, o que estamos na verdade a dizer, quando a utilizamos, é, por exemplo, «na área de»; «nos limites de»; «se nos limitarmos a»; «limitando-nos a»; «nas fronteiras de». Vejamos, deste modo, alguns enunciados, transcritos do Corpus CETEMpúblico, que poderão ajudar a concretizar, de forma mais clara, as conclusões propostas: «Não são, no entanto, casos de sucesso em termos de [na área da/se nos limitarmos à] reinserção social, mas, sim, de idosos que deixaram a rua e passaram a viver em lares»; «uma aposta forte em termos de [na área do/se nos limitarmos ao] turismo, possibilitando aos nossos visitantes a oportunidade de conhecerem uma das mel...

Pergunta:

Na seguinte frase onde se coloca o se?

«Por força do prazo de validade encontrar-se ultrapassado.»

«Por força do prazo de validade se encontrar ultrapassado.»

Resposta:

Segundo Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 854, coloca-se o pronome antes do verbo (na chamada posição proclítica) em frases introduzidas por complementadores simples e complexos, ex.: «Sei que o João a viu no cinema ontem»; «Perguntaram ao Zé se o Pedro lhe entregou o livro»; «O Pedro pediu à Maria para lhe telefonar logo»; «Avisa a Maria logo que/mal a vejas»; «Embora se despachasse tarde, o João ainda passou cá por casa»; «Visto que/porque se despachou tarde, o João não passou cá por casa».

Simplificando, podemos dizer que, regra geral, na esmagadora maioria das orações subordinadas, os pronomes átonos deverão ser colocados em posição pré-verbal (cf. Lindley Cintra e Celso Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 312; leia-se também esta resposta).

Assim, tendo em conta o exposto, podemos concluir que, no caso concreto do enunciado proposto pela prezada consulente, o pronome se deverá ser colocado antes do verbo, tal como acontece no contexto da segunda frase sugerida: «Por força de o prazo de validade se encontrar ultrapassado.» Repare-se que estamos na presença de uma oração subordinada introduzida por uma locução subordinativa causal/complementad...

Pergunta:

Fiz a prova do TRT 20.ª Reg. e fiquei em dúvida quanto a uma questão de português. A transposição para a voz ativa da frase «Foi assim que sempre se fez a literatura» tem como resultado:

a) «Foi sempre assim que a literatura tem feito.»

b) «Foi assim que sempre fizeram a literatura.»

c) «Sempre foi assim que a literatura fez.»

d) «Assim é que sempre foi feita a literatura.»

e) «Terá sido feito sempre assim, a literatura.»

A banca FCC considerou como resposta certa a b). Gostaria de saber se está certo o gabarito e porquê, pois, se estiver errada, pretendo recorrer.

Resposta:

Se pensarmos bem no enunciado proposto, reparamos que, na voz ativa, a frase poderá ser redigida da seguinte forma: «Alguém fez/Fizeram sempre assim a literatura.»

Deste modo, julgo que a opção correta será, efetivamente, a b). De todas as outras alíneas, a única que não me parece marginal é a d). Porém, trata-se de um enunciado igualmente enquadrável na forma passiva.

Pergunta:

«Para poder participar na festa a partir do seu computador precisa de ter uma personagem de madeira na sua casa digital.» (Quem precisa de ter um código é o utilizador.)

Após uma pesquisa online, cheguei á conclusão de que esta frase, devido a ser uma oração assindética, deveria ter uma virgula entre as palavras computador e precisa.

No entanto, foi usado o argumento contra, em que, devido a a segunda parte da frase ser consequência direta da primeira, o uso de virgula é incorrecto.

Será que me poderia elucidar se alguma destas formas está incorrecta?

Resposta:

As orações assindéticas são orações coordenadas que não contam com a presença lexical de uma conjunção, ex.: «Será uma vida nova, começará hoje, não haverá nada para trás» (leia-se também, por exemplo, esta resposta).

Ora, manifestamente, não é esta a situação do enunciado transcrito pelo prezado consulente, pois, neste caso concreto, encontramo-nos na presença de uma frase que contém uma oração subordinada final, introduzida pela conjunção subordinativa (ou conector, na perspetiva de Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 715) para, que exprime o fim ou o propósito, ex.: «Saí cedo para chegar a tempo ao seminário» (Mateus e outros, op. cit.). Ainda segundo as referidas autoras, valerá a pena dizer que, nas frases com orações finais, «o conteúdo proposicional da oração principal [= «precisa de ter uma personagem de madeira na sua casa digital»] é considerado pelo locutor como uma condição do conteúdo proposicional descrito na oração final [= «Para poder participar na festa a partir do seu computador»]; por outro lado, a oração final significa uma consequência e, simultaneamente, um propósito, uma finalidade, da oração principal» (op. cit., p. 716).

Finalmente, é de notar que, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 645, emprega-se a vírgula «para separar as orações subordinadas adverbiais, principalmente quando antepostas à principal». Deste modo, e tendo em conta que o exemplo apresentado pelo consulente integra justamente uma oração subordinada adverbial final anteposta à principal – «Para poder participar na festa a partir do seu computador» –, julgo que será ajustado (ainda que sem caráter obrigatório) colocar a vírgula antes da oração principal: «Para poder participar na festa a pa...

Já aqui foi abundantemente salientada a já clássica – mas erradíssima – colocação da vírgula entre sujeito e verbo. No entanto, não posso deixar de voltar a chamar a atenção para o grau assustador de expansão e de enraizamento que tal prática atinge.