Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
Pedro Mateus
28K

Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho um comércio e coloquei uma placa na frente que diz o seguinte: «Não vendo fiado em hipótese nenhuma.» Está escrito da forma correta?

Resposta:

De acordo, por exemplo, com os dicionários Houaiss, Aurélio ou Infopédia, o termo hipótese pode significar «possibilidade de (alguma coisa que independe de intenção humana ou causa observável) acontecer; chance, opção»; «eventualidade; caso»; «acontecimento possível, mas incerto».

Ora, tendo em conta tais aceções do vocábulo em análise, julgo que estará correto o enunciado sugerido pelo prezado consulente, podendo facilmente substituir-se a palavra hipótese por caso,ou eventualidade, por exemplo: «Não vendo fiado em nenhum caso/em caso nenhum/em caso algum»; «Não vendo fiado em nenhuma eventualidade/em eventualidade nenhuma».

No fundo, o que o consulente está a dizer é que vender fiado, na sua loja, não é uma opção válida.

Pergunta:

De acordo com inúmeros autores de gramáticas de Português, na transformação do imperativo do discurso direto para o discurso indireto, tanto podemos usar o pretérito imperfeito do conjuntivo como o infinitivo, tal como no exemplo seguinte:

O pai pediu-lhe: «Fica no teu quarto e faz os TPC.»

«O pai pediu-lhe que ficasse no seu quarto e fizesse os TPC.»
ou
«O pai pediu-lhe para ficar no seu quarto e fazer os TPC.»

Não será este último exemplo mais característico da linguagem falada e por isso preferível o primeiro, no registo escrito?

Resposta:

No caso exposto, o processo de transformação do discurso direto para o discurso indireto deu origem a duas orações subordinadas completivas, uma finita (a primeira), e outra não finita (a segunda), cujo resultado final, em termos semânticos, acaba por ser exatamente o mesmo.

A única diferença detetável será justamente o facto de, no primeiro enunciado, a oração completiva ser introduzida pelo complementador que, e, no segundo, ser validada pelo complementador para. Deste modo, julgo que será pertinente citar aqui Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 621: «A forma para que introduz as completivas não finitas com esta subclasse de verbos [declarativos] tem o estatuto de complementador e não de uma verdadeira preposição, uma vez que, nas completivas finitas correspondentes, para não pode coocorrer com o complementador que

Dito isto, resta-me referir que não encontro sustentabilidade científica que comprove que o primeiro enunciado é mais compatível com contextos orais, e que o segundo se identificará preferencialmente com ocorrências escritas. Julgo que será apenas uma questão de opção ou de preferência por uma formulação ou por outra.

Pergunta:

Qual das duas frases está correta?

«Em virtude dos aniversários das professoras Karin (20/09) e Júlia (19/09), nesta sexta-feira (23/09) não haverá lanche coletivo.»

«Em virtude do aniversário das professoras Karin (20/09) e Júlia (19/09), nesta sexta-feira (23/09) não haverá lanche coletivo.»

O correto é: «dos aniversários das professoras», ou «do aniversário das professoras», lembrando que foram dois aniversários em datas diferentes, um dia 19 e outro dia 20?

Resposta:

O primeiro enunciado – «Em virtude dos aniversários das professoras Karin (20/09) e Júlia (19/09), nesta sexta-feira (23/09) não haverá lanche coletivo» – parece mais compatível com as premissas elencadas, isto é, dois aniversários, a terem lugar em datas diferentes.

Porém, não considero que se possa afirmar que o segundo enunciado esteja incorreto, pois o nível de detalhe com que é dada a informação permite-nos, julgo eu, inferir que se trata do aniversário de cada uma das visadas.

Em qualquer língua, serão certamente detetáveis diferenças (algumas até bastante vincadas) entre contextos escritos e orais. Na língua portuguesa, escrevemos, por exemplo, menino, mas podemos dizer mnino, ou, no caso do português do Brasil, minino; escrevemos para, mas podemos dizer p’ra. O que não podemos é, como é evidente, confundir os referidos contextos, e passarmos, por acharmos que a oralidade valida a escrita, a escrever, por exemplo, mnino e p’ra.

Pergunta:

Depois de imensa pesquisa, continuo com dúvidas sobre a análise sintática da frase «Esta instrução prepara-me adequadamente para o século XXI». Qual é o predicado? «Adequadamente» e «para o século XXI» são ambos modificadores? Ou «para o século XXI» é um complemento oblíquo?

Resposta:

O predicado (função sintática desempenhada pelo grupo verbal – DT) da frase sugerida pela consulente será «prepara-me adequadamente para o século XXI».

O constituinte «adequadamente» será um modificador (função sintática desempenhada por constituintes não selecionados por nenhum elemento do grupo sintático de que fazem parte – DT), ainda que, por exemplo, Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 294, chamem a este tipo de elementos frásicos «oblíquos adjuntos».

O excerto «para o século XXI» deverá efetivamente ser considerado um complemento oblíquo, já que é introduzido por uma preposição (veja-se esta recente resposta de Carlos Rocha) e é obrigatório para garantir a gramaticalidade da frase em análise.

No entanto, se esmiuçarmos um pouco mais o enunciado que a prezada consulente teve a amabilidade de nos propor, verificamos o seguinte:

1) O excerto «Esta instrução prepara-me», isolado, parece-me, de facto, não ser suficiente para garantir solidez semântica à citada frase, sendo necessário, portanto, acrescentar um outro elemento para que a sua gramaticalidade possa ser devidamente assegurada;

2) A formulação «Esta instrução prepara-me adequadamente», por outro lado, já parece ser suficiente para garantir a gramaticalidade e a robustez semântica da frase (= «Aquela professora preparou-me muito bem»), não sendo necessário, deste modo, recorrer ao constituinte «para o século XXI» para que a mesma faça sentido. Assim, neste caso, «adequadamente» deverá ser considerado um complemento oblíquo (que, como refere o